ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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9.5.11
![]() UM DIA ESTRANHO Este é um dia estranho. Mais estranho ainda porque a sua estranheza passa despercebida a muita gente. Estamos como que anestesiados, passados, adormecidos, atordoados, escolham o termo. No dia em que escrevo, passaram 24 horas sobre saber-se quem governa Portugal nos próximos três anos. E não somos nós, nem quem escolhemos, nem quem vamos escolher. São "eles", um deles de olhos azuis, como diz a comunicação social com o seu gosto pela trivialidade, direitinhos, capazes, sóbrios, eficazes, "eles". Isto é natural? Não é. Pode ser inevitável, mas natural não é. E também não é natural que achemos com tanta facilidade que o é. Os nossos novos governantes, altos burocratas internacionais, alguns nem tão altos assim, dedicaram um dia a fazer conferências de imprensa e a dar entrevistas. Ninguém acha mal, estranho, bizarro, que burocratas, funcionários, sem qualquer legitimidade democrática, apareçam a dizer o que devemos fazer e a comentar com displicência o que fizemos ou não fizemos. Os patrões deles nem sequer se dignaram aparecer. Tinha sido melhor. A senhora Merkel sempre foi eleita pelos alemães, aqueles ministros franceses, holandeses, finlandeses, sempre têm que ir a votos explicar o que fazem aos seus povos, e como estão a gastar o dinheiro dos seus impostos, e por isso podem dar-nos lições e ralhetes. Seria melhor, mas nem isso já merecemos, porque achamos bem que o funcionalismo europeu, os burocratas de Bruxelas, dêem conferências de imprensa muito para além do seu mandato e do seu poder. Ah! o estado de necessidade faz engolir a vergonha! Como tudo hoje se mede pela eficácia eleitoral, os ouvidos portugueses que ouviram a troika, - agora toda a agente fala em troika com aquele mimetismo imbecil da derrocada da imaginação -, mediram cada palavra pela bitola eleitoral: esta afirmação serve a oposição e o PSD, esta serve o Governo e o PS. Na arregimentação extrema que se passa hoje nas hostes nacionais, a conferência de imprensa fica legitimada pelos ganhos eleitorais que se pode tirar das palavras dos funcionários e ninguém sequer se sentiu minimamente insultado e humilhado por ver três burocratas a falarem com notório desprezo sobre o país. O pior da racionalização para esta indiferença, e até para o gosto perverso na humilhação, é que "é bem feito", como se o "é bem feito" fosse apenas para Sócrates, Teixeira dos Santos e os seus partidários. Não é, é para todos os portugueses. Neste mesmo dia estranho está a decorrer uma greve da função pública tão absurda que nem os sindicatos parecem esforçar-se para a apresentar como uma vitória, que está longe de ser. Mesmo que eu faça um gigantesco esforço para perceber o que leva, nesta conjuntura de cansaço social, a convocar uma greve em pleno refluxo das reivindicações, não consigo percebê-lo. O 25 de Abril teve muita gente, o 1.º de Maio também, a presença de muitos milhares de pessoas nas manifestações mostra que há um descontentamento activo e politizado principalmente na esquerda comunista e sindical. Mas manifestações e greves não são a mesma coisa, e comunicam pouco nesta altura de depressão social. Isto pode vir a mudar, com mais raiva e radicalismo, e tal vai certamente acontecer, mas não é já, não é hoje. Hoje, volto ao princípio, estamos anestesiados, passados, adormecidos, atordoados e a ideia peregrina de que mesmo esta esquerda se mobiliza contra o "inimigo externo" e que este é o FMI não cola. O "inimigo interno" mobiliza, o "inimigo externo" parece abstracto, até útil. Para muita desta esquerda a inevitabilidade de vir a entrar dinheiro alheio está interiorizada, o que não está é pagá-lo se isso significar, como significa, ir-lhe ao bolso. Por isso, daqui a uns meses, quando começarem as avaliações externas e houver um Governo mais claramente do "inimigo externo", então sim, as greves terão outra força. ![]() É assim. Depois olha-se para os jornais e as sondagens funcionam como um indicador de inevitabilidade, mostrando o mesmo absurdo que é quanto mais se precisa de mudar, não há forças para a mudança, o conservadorismo da indiferença impera. Está tudo tão mal que mais vale manter-se tudo como está. Onde não há esperança, não há mudança. (Versão do Público de 7 de Maio de 2011.) (url)
© José Pacheco Pereira
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