ABRUPTO

28.5.11


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: BOBBY FISCHER, A ANOMALIA

Frank Brady, Endgame. Bobby Fischer’s Remarkable Rise and Fall — From America’s Brightest Prodigy to the Edge of Madness, Crown Publishers. 2010.

Este livro  enquanto biografia  é uma muito capaz introdução à personagem anómala de Bobby Fischer: génio do xadrez, monstro afectivo, pessoa insuportável, puramente associal, conflituoso, racista, anti semita, obcecado por conspirações reais ou inventadas, ignorante em adulto de tudo o que não fosse xadrez, autodidacta tardio, crédulo até ao limite, céptico até ao limite, provavelmente doente mental, anti-soviético, patriota da Guerra Fria, mas mesmo assim vigiado pelo FBI (em grande parte por causa da mãe, activista e compagnon de route dos comunistas),  e mais tarde anti-americano, obcecado ao detalhe por dinheiro, por aí adiante. Ou seja, material excelente para um biografo que tinha duas grandes vantagens, conhecera pessoalmente Fischer e era e é jogador de xadrez a nível competitivo. 

O melhor do livro é a análise do confronto de Bobby Fischer com a máquina trituradora do xadrez soviético, em que, nos campeonatos mundiais, jogadores russos jogavam com jogadores russos, porque ninguém lá sequer chegava. O carácter de jogo "de estado", emanação da superioridade do socialismo soviético sobre o mundo capitalista, instrumento de propaganda da URSS, tornava o confronto com os soviéticos uma representação no tabuleiro de xadrez da  Guerra Fria. A conquista por Fischer do título de campeão mundial a Spassky  é o capítulo central do livro, que retrata bem a dramaticidade do encontro.

O pior do livro é a quase total ausência de análise dos grandes jogos de Fischer, mesmo que esquemática e feita para desconhecedores ou amadores do xadrez. Não existe um único diagrama, uma única reprodução de uma posição crucial, mesmo dos jogos de antologia. Bobby Fischer, jogador de xadrez  concreto, permanece quase fora do âmbito da biografia e isso desaponta quem esperava mais de um biografo que conhece bem o jogo e era certamente capaz de fornecer um retrato do jogador em acto para além de frases vagas como "Bobby Fischer tinha uma posição de vantagem", ou "Bobby Fischer cometeu um erro de palmatória".

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© José Pacheco Pereira
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