ABRUPTO

14.5.11


COISAS DA SÁBADO: O “GOVERNO DE COMPETÊNCIAS” E A DEMOCRACIA


Quem alguma vez tenha contactado com a burocracia de Bruxelas, e com a alta burocracia internacional, sabe que esta é a situação ideal que qualquer burocrata deseja: poder aplicar receitas sem qualquer interferência dessas coisas impuras que são os políticos, os parlamentos, os sindicatos, os votos. Lembram-se do Sir Humphrey da série Yes Prime Minister? É isso mesmo, qualquer alto funcionário, acha que “governa” melhor do que os políticos eleitos. Eles têm a competência, o conhecimento e o “desinteresse”; os políticos, o “ruído” da democracia, a imperfeição das vontades, dos interesses e também da sua própria incompetência.

A ideia de um “governo de competências” não é nova em Portugal. Existia já na Primeira República, em gente que andava pela Seara Nova, alguma da qual foi apoiar o “ditador das finanças” porque achava que em ditadura era mais fácil “governar bem”, revolucionar a agricultura, por as finanças em ordem, acabar com os bairros sociais, que a corrupção da República mantinha em eternas obras. Esta visão foi impulsionada pelo mesmo mal que vivemos hoje, pela incompetência e degenerescência do pessoal político e dos partidos, um problema real que pode ter soluções democráticas (reconheço que muito difíceis), mas que é sempre mais fácil de resolver by the book, suspendendo a democracia. Até que os efeitos dessa “suspensão” começam a mostrar a sua perversidade: é que para se manterem precisam de polícia e de acabar com direitos, depois com partidos, depois com os políticos, os maus e os bons.

Isto significa que temos de facto já uma “suspensão da democracia”, forçada pela bancarrota a que o PS conduziu o país. Pode-se aceitar, por puro estado de necessidade e por algum pouco tempo, esta desgraça, tanto mais que o acordo partidário lhe dá alguma legitimidade. Mas convém não bater palmas ao princípio, por ignorância, descuido ou comodismo.

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© José Pacheco Pereira
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