ABRUPTO

12.2.11


 NOTAS DE VIAGEM AMERICANAS: NATIONAL PRAYER BREAKFAST


Poucas coisas mostram a maior das diferenças entre a América e a Europa do que este tipo de iniciativas: um pequeno-almoço em que o Presidente, na presença de congressistas cristãos e de personalidades nacionais e estrangeiras, faz uma intervenção e reza. A intervenção diz respeito à oração, ao sentido da religião, à relação que a oração estabelece com Deus. Isto é feito num país profundamente religioso e, ao mesmo tempo, um dos que institucionalizaram com mais vigor a separação da Igreja e do Estado, ao ponto de não permitir "momentos de meditação" (que tinham sido sugeridos por vários grupos cristãos), para passar ao lado da proibição de oração nas aulas do ensino oficial.

O National Prayer Breakfast foi esta semana e Obama fez uma longa intervenção, muito reveladora do seu melhor e do seu pior. Foi um discurso escrito, perfeito na fusão equilibrada entre o testemunho pessoal, a religiosidade, as questões políticas correntes, mesmo a ironia, retoricamente de muito grande qualidade. Ou seja, bem escrito, bem dito, e bem representado. Obama fala de si, de forma íntima e próxima, da sua família, do pai que viu uma única vez e que era descrente, e de uma mãe também pouco crente, mas "espiritual". E contou como "encontrou Jesus Cristo". Fala da mulher e das suas preocupações de pai, tudo dito com um quanto de emoção, de razão e de humor. Obama fala de si de uma forma que permite que muitos se identifiquem com ele, com uma trivialidade na qual se podem reconhecer muitos pais, muitas famílias, muitos "pecadores", muitos homens e mulheres absolutamente comuns.

Mas, a motivação política do seu discurso é evidente. Obama é tido como um dos presidentes sobre cuja fé cristã e a sua genuidade existe mais dúvidas, havendo mesmo uma minoria irredutível de americanos que acha que ele é muçulmano e o esconde. Fala das dificuldades económicas que muitos americanos conhecem hoje em dia, no desemprego, na pobreza, na doença, e "reza" por eles. Fala do Egipto e do seu momento trágico, para mais uma vez mostrar que está com os manifestantes. Em suma, "reza" pelas suas causas, sem que ninguém lhe possa tirar a elevação de o fazer com equilíbrio e sem exaltação. De novo, insisto, é difícil fazer melhor no actual estado da arte. Mas também é difícil evitar a sensação de que tanta perfeição é ensaiada, que o homem "sabe-a toda" e é um excelente actor.

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© José Pacheco Pereira
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