ABRUPTO

19.12.10


COISAS DA SÁBADO: MEDIAÇÕES

Quem, como os historiadores e os jornalistas especializados, tem que lidar com arquivos de polícia oriundos de regimes totalitários ou arquivos envolvendo matérias de sigilo e segredo, como é o caso dos “arquivos Mitrokhin” copiados do KGB, os arquivos soviéticos revelados depois da queda do Muro, os arquivos da STASI, os arquivos já abertos da “intelligence” e das operações aliadas da II Guerra Mundial, e, para todos os efeitos, os 250.000 telegramas diplomáticos americanos, sabe que tem que lhes pegar com pinças e ter o know how para deles extrair informação, sem necessariamente os tomar à letra. Primeiro, porque os documentos não são verdadeiros em si mesmos, no seu conteúdo, mesmo quando são fidedignos. Toda a gente que trabalha com documentos sabe que é comum o seu autor burocrático valorizar-se exagerando o conteúdo da informação que transmite. Depois é fundamental a apreciação crítica e inserção no contexto, compreendendo a natureza das comunicações diplomáticas, que não são a mesma coisa que as comunicações de “intelligence”, nem são actas de reuniões validadas pelos dois interlocutores. Sem estes cuidados, quem usasse as comunicações diplomáticas do Foreign Office oriundas da embaixada e consulados ingleses, nos anos 10 e 20 do século XX, para estudar Portugal (que são conhecidas), chumbaria em qualquer exame de história. Por fim, é preciso saber ler, o “diplomatês”, ou até sequer o inglês e ser fiel ao que lá está, para evitar a manipulação descuidada que tem vindo a ser feita dos telegramas já conhecidos sobre os voos de repatriação de Guantanamo, uma política pública e conhecida ao ponto de até haver presos recolocados em Portugal, confundidos com os voos para a prisão em Cuba, de que até agora não há traços nos telegramas. Até agora.

(Continua.)

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© José Pacheco Pereira
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