ABRUPTO

11.9.10


UM GRANDE LIVRO DE HISTÓRIA SOBRE UMA REVOLUÇÃO A QUE VULGARMENTE SE CHAMA “GUERRA DA SECESSÃO”


O meu companheiro de viagem nos longos voos árcticos foi um dos melhores livros de história que jamais li. As suas quase 900 páginas prendem o leitor como a melhor história narrativa é capaz de fazer e mesmo com outras tentações de leitura, esta sobrepôs-se a tudo. Trata-se de Battle Cry of Freedom de James McPherson, uma história da guerra civil americana. Já tinha lido com idêntico entusiasmo outro livro desta série, a história dos EUA de Oxford, e suspeito que continuarei a ler os restantes com o mesmo gosto, dada a sua alta qualidade.

A guerra civil americana é o acontecimento que, em conjunto com a guerra da independência, “fez” os EUA. Não tendo como motivo formal a escravatura – Lincoln passou a guerra toda a afirmá-lo – ela só existiu porque a escravatura moldava a sociedade e as instituições do Sul e todos os conflitos que levaram à guerra tinham como pano de fundo a percepção pelos estados do Sul de que a escravatura estaria em risco se não pudesse alargar-se a outros territórios, fossem da América do Norte, ou fossem conquistados, como Cuba, e se o direito de propriedade dos escravos não fosse reconhecido, mesmo nos estados “livres”. Mc Pherson sublinha, e bem, que o que na realidade aconteceu foi a combinação de uma revolução social com uma contra-revolução.

A eleição de Lincoln precipitou a guerra, mas foram os estados que deram origem à Confederação que a iniciaram. Depois foi uma enorme carnificina, sem precedentes na história moderna. Nalgumas batalhas morreram mais americanos do que em todas as guerras que o país conhecera, da guerra da independência à guerra com o México. Apesar da superioridade em todos os aspectos, homens e recursos do Norte, o Sul passou quase todo o tempo a ganhar militarmente, com um exército que combatia muitas vezes descalço, mas chefiado por grandes oficiais, Robert Lee acima de todos. No Norte foi necessária uma contínua depuração até que os generais que se tinham revelado em combate, Grant, Shermann e Sheridan, chegassem ao comando efectivo e mudassem o curso da guerra. Isto numa guerra em que a probabilidade dos oficiais morrerem em combate era superior à dos soldados.


Tudo nesta história se recomenda: o uso criterioso das fontes, incluindo a vasta correspondência dos soldados e oficiais, os artigos do jornais (quer na União, quer na Confederação permaneceu quase intacta a liberdade de imprensa e a vida política democrática), os retratos dos homens, a descrição dos combates, os condicionamentos económicos e sociais, as tensões geradas pela escravatura, as hesitações entre moderados e radicais dos dois lados. Não é uma história de um lado, o Sul é tratado como combatendo por valores de liberdade que eram genuinamente sentidos como tais e, num certo sentido, mais próximos de muito do que fora a matriz genética dos Estados Unidos.

McPherson nota por isso a grande transformação que se observa nos discursos de Lincoln, que começa por falar da “união” e dos “rebeldes” e acaba a falar de “nação”. O Norte vence a guerra destruindo o “velho Sul”, mas, ao fazê-lo, permitiu que os EUA fossem uma nação.

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© José Pacheco Pereira
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