ABRUPTO

17.9.10


COISAS DA SÁBADO :TROPISMO PARA O ACESSÓRIO


Como estamos nestes “estreitos” tenebrosos da dívida, isto deve perturbar imenso a cabeça dos nossos marinheiros, porque perdemos o Norte, o Sul e mesmo o Nascente e o Poente, os dois pontos que basta olhar para o mar de manhã e ao fim da tarde para não oferecerem dúvida onde estão. A perturbação que nos assoma, espécie de fase muito alterada de doenças dormentes, é um forte tropismo para o acessório, como se houvesse um novo ponto cardeal que sugasse a nossa navegação para uma espécie de nada, um mar dentro mar, dentro do mar.

Apanhados com o provisório fim, - em Portugal todos os fins são provisórios, - de um processo crucial para perceber os últimos anos em Portugal, vulgarmente chamado de Casa Pia, em vez de olharmos para o cerne das coisas – alguém abusou sexualmente de um grupo de crianças institucionalizadas pelo estado e foi condenado por um tribunal legítimo – andamos distraídos com os azares informáticos da divulgação da sentença. É de facto muito mau, muito terceiro-mundista, todas estas peripécias da divulgação da sentença, mas não é o mais importante. Gente prudente teria pegado nos fragmentos da sentença, tirado cópias uma a uma, fotocopiado as cópias, montando um original, para dar aos advogados em papel: Mas nós quisemos ter sofisticações electrónicas na justiça, para que pelos vistos não temos nem a literacia, nem o software, nem o hardware. Agora substituir a análise do “caso” Casa Pia, quer na sua vertente judicial, quer na sua vertente social e política, pelas peripécias electrónicas da divulgação da sentença, ou é cortina de fumo deliberada, ou é este miserável tropismo para o acessório, em que somos especialistas. E lá vamos alegremente e com grande cópia de vozes para o mar, dentro mar, dentro do mar.

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© José Pacheco Pereira
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