ABRUPTO

8.9.10


COISAS DA SÁBADO: A COLHEITA


Uma das vantagens das longas viagens de avião é poder recolher no aeroporto dezenas de jornais e revistas de vários países e depois ir lendo pelo caminho. Se a viagem é longa, dá para ler tudo e ainda sobra para os livros. De há muitos anos para cá, tenho um método para recolher aquilo que chamo a “colheita” dos jornais e revistas. Há aqueles que guardo integralmente, e que se houver alguma coisa especial fotocopio, e aqueles, a maioria, que reduzo a recortes: separo primeiro as folhas, marco uma palavra-chave e depois de recortado é digitalizado e arquivado. As digitalizações são guardadas em pastas electrónicas por ordem alfabética, correspondendo às pastas físicas do arquivo de recortes. No computador há muito maior maleabilidade em conservar o maior número de informações, visto que um mesmo recorte pode ser introduzido em várias pastas, com um mínimo de espaço ocupado. Por exemplo, um artigo sobre os problemas recentes do Facebook entra em “privacidade” e em Facebook. Não existe nenhum thesaurus, o thesaurus é o dicionário de português. Devo o sistema do arquivo físico de recortes ao antigo arquivo do jornal O Jornal, que Maria João Múrias tinha organizado com grande profissionalismo e era, à época, o melhor arquivo de um jornal português. Não sei o que lhe aconteceu.

Como todas as coisas nenhum processo é perfeito. Para além de artigos que são muito difíceis de classificar, alguns são também impossíveis de digitalizar num scanner normal devido ao seu tamanho, sem muito trabalho. O principal problema é claro, o tempo, que provoca frequentes “engarrafamentos” nesta espécie de cadeia de produção, em particular entre a retirada das páginas e a sua marcação e a digitalização. Por isso, pilhas de recortes por tratar somam-se muitas vezes ao “retrospectivo”, à esmagadora de artigos que já estavam organizados antes de a digitalização se tornar acessível. Resumindo e concluindo, o método seria o ideal para não se perder nenhuma informação, se o maldito tempo não fosse o que é, maldito, curto, pouco, pequeno.

A COLHEITA (2)

Há dias fiz uma destas colheitas de viagem longa, e recolhi o quê? De um grosso saco de jornais e revistas sobrou um grupo pequeno de recortes. Comecemos pela imprensa diária: apenas recortei o Correio da Manhã (nada), o Diário de Notícias e suplementos do fim de semana (2 páginas “a cantiga já não é uma arma”), e Público (artigos do Vasco Pulido Valente, Jorge Silva Melo e José Augusto Rocha; artigo sobre graffiti no P2, e um sobre Minsk na Pública). Um dia excepcional para o Público de que tenho recortado muito pouca coisa. Recortei do Jornal de Negócios um longo artigo sobre a privacidade e a entrevista do Miguel Veiga e nada do Diário Económico. Depois, dos semanários, não tinha o Expresso, nem a Visão, que ficam por isso de fora, mas recortei do Sol um artigo sobre Francisco Lopes do PCP e outro do suplemento sobre a Esther Mucznik. Da Sábado, recortei o meu artigo e outro sobre a primeira Festa do Avante! Em condições normais não recortaria nenhum destes semanários que guardo integralmente, mas aqui havia repetidos.

Da imprensa estrangeira, a espanhola estava sem nenhum interesse. Do El Mundo e do El Pais sobrou o suplemento “Babelia” deste último. Da francesa, só do Le Monde ficaram dois artigos, um sobre o filho de Kim Jong-il e outro sobre o Tea Party. Nada de especial. Da brasileira, do Globo, ficou um suplemento extenso sobre José Ferreira Gullar e um artigo sobre a censura nas eleições actuais presidenciais. Da inglesa, do Daily Express não sobrou nada, e não havia o Times. Os jornais ingleses são particularmente difíceis de cortar porque as fibras do papel são em sentido horizontal e por isso as páginas rasgam-se. Da americana, no International Herald Tribune, um artigo sobre a linguagem e outro sobre Milan Kundera. Mas o absoluto recordista, foi o Financial Times, com um grande número de recortes, ou seja, de artigos que me pareceram interessantes ou informativos. Um sobre a “felicidade”, ligeiro mas curioso, outro sobre a excepcional qualidade das séries americanas actuais, com relevo para as da HBO. Um sobre Trieste, outro sobre a dificuldade de biografar Graham Greene, outro sobre os ciganos na Europa, e um outro sobre os dilemas actuais da Federal Reserve. Mas um must, que só um jornal inglês publicaria, de Matthew Engel intitulado: “A Inglaterra comprou um bilhete só de ida para uma política de segunda classe”. Nele se descreve a “idiotice” de fazer andar os políticos ingleses em segunda classe nos comboios. Descreve como Nick Clegg, o segundo mais importante governante inglês, vai de comboio de segunda classe para o seu distrito, depois da segurança ocupar meia estação e meio comboio, e de gastar muito mais dinheiro e correr muito mais risco do que aquele que seria preciso para levar Clegg num carro do estado. E como Clegg não pode fazer as duas coisas úteis que os políticos que trabalham, e Clegg tem trabalho de sobra, fazem quando viajam: ou descansar, ou trabalhar, perde muito mais tempo e os contribuintes ingleses perdem a possibilidade de melhor governação. Insisto. Só um jornal inglês traria este artigo.

Não foi má colheita.

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© José Pacheco Pereira
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