ABRUPTO

31.7.10


UMA PAISAGEM PÓSTUMA: O RIO TÂMEGA EM VAU 
(QUE VAI DESAPARECER COM A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DO FRIDÃO)

(Fotos de Hélder Barros)

Uma das heranças deste governo é a destruição acelerada de tudo o que resta de paisagem natural em Portugal. As preocupações ecológicas param sempre à porta das energias renováveis e do deslumbramento tecnológico que ofusca o nosso Primeiro. A energia é um bem, mas a paisagem natural é outro e essa ponderação hoje não se faz. Não há cume de monte que não seja povoado de ventoinhas, e nenhum rio vai sobrar no seu estado natural. A destruição do Rio Tâmega atinge uma sucessão de vales, com rápidos e pequenas quedas de água, povoados de uma fauna e flora únicas. Conheço-os bem, tendo feito parte do primeiro grupo que o desceu em canoa em 1979 (junto com Ana Barbosa e Pedro Vilas Boas), o que motivou algum espanto nos jornais da época e uma recepção popular na Ribeira do Porto, porque o rio era tido como impossível de navegar. E na verdade, mais do que descer, era cair por ali abaixo, principalmente em zonas como a de Arcossó em Vidago, em Ribeira de Pena, junto à foz do seu afluente  Rio Beça, cujas trutas passavam ao nosso lado, até à entrada no Douro, tão assoreada que se fez quase a pé. O Tâmega tinha várias represas e mesmo uma pequena barragem industrial  meia abandonada, mas continuava a ser no essencial um rio, com rochas afiadas pela erosão da água, rápidos e quedas numa paisagem intocada. Vai acabar, como vai acabar o Tua e o Sabor, às mãos de gente de gabinete que nunca olhou para o céu pelo intervalo escuro das margens agrestes de um vale escavado, desconhece o que é água límpida a correr e o cheiro de urze. Quando já for tarde vamos todos lamentar não saber o que é um rio.

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© José Pacheco Pereira
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