ABRUPTO

29.7.10


EMPANCADOS



Está tudo dito sobre o todo e o todo tem muita força. Está aí pousado em cima de nós, com o peso dos milhares de milhões da dívida, com o olhar desconfiado dos "mercados" e das tenebrosas agências de rating, com as ordens, ainda assim suaves, da Comissão Europeia, e está para ficar. Debaixo deste todo, nada mexe. Por isso, não vale a pena estar a repetir-me. Mas tenho que repetir-me, porque nesta canção só há refrão e sempre o mesmo refrão. Empancados.


Está tudo dito sobre o pequeno navio encalhado que é hoje Portugal. Ou se quiserem sobre o Titanic de uma qualquer linha obscura do mar Negro, que se afunda já nem sequer ao som da orquestra. Nesse país encalhado, tudo está bloqueado: o Governo não governa, o primeiro-ministro vocifera impotente com a má sorte que lhe calhou devido aos demónios neoliberais do estrangeiro, o ministro das Finanças anda curvado ao peso da dívida e do défice. A oposição que conta está errática: diz ter a obrigação "patriótica" de apoiar o Governo nas medidas anticrise, mas logo em seguida ameaça a aprovação do OE, num contexto que não é diferente da mesma crise que justificava os votos favoráveis aos PEC. Ainda estou para perceber o que se passou entretanto. Deixou de haver ameaça de bancarrota nacional? Duvido. Tudo isto dá uma sensação de impasse e de impotência. Empancados.


Uma das coisas que se dizem é que o Governo não passa de 2011 e que haverá eleições. Importam-se de me explicar como? Há várias hipóteses, nenhuma especialmente convincente. Depois das presidenciais, Sócrates demite-se? Duvido que o faça sem que pense ganhar alguma coisa com isso, o que me parece difícil de imaginar. O PS muda de líder para novas eleições? É provável, e dá-lhe uma oportunidade real, mas isso pressupõe que Sócrates quer ir-se embora. E para onde? Para gerir uma empresa de eólicas? Para uma fundação? Para uma embaixada política algures no Vanuatu? Difícil arranjar algum lugar dourado para um antigo primeiro-ministro pouco qualificado. Uma coisa me parece certa, o PS só força eleições se pensar que as pode ganhar. Empancados.

Depois quem vai "derrubar" o Governo em 2011? O Presidente se for Manuel Alegre? Impossível. Se for Cavaco Silva? Não é impossível, mas será difícil. Aqui deixemos uma hipótese que depende e muito do contexto de 2011. Admito que esse contexto é muito volátil para se excluir esta hipótese. O PSD apresenta uma moção de censura? Para que daqui resulte a queda do Governo é preciso que haja todos os votos da oposição, o que não é certo. Não me parece que BE, PCP e CDS queiram eleições antecipadas. Empancados.

E depois 2011 será no pleno da crise. Quem se atreverá a provocar eleições em plena conflituosidade social, em ambiente que será de hostilidade populista aos políticos, em dimensões nunca vistas desde o 25 de Abril? Só mesmo em condições muito excepcionais é que o PSD poderá correr o risco de fazer cair o Governo e assumir o ónus de eleições, porque o próprio acto de provocar a queda muda muito o ambiente político. Empancados.


A linha de argumentação de um PS com um novo líder baterá forte e feio na "imaturidade" da liderança do PSD, que o PS está hoje a experimentar e tem mais pés para andar do que se imagina. E o debate feio, em que algum PS e algum PSD são mestres, ainda não saiu da gaveta, mas sairá então. A actual direcção do PSD tem gozado de um estado de graça que, quando as coisas apertarem, evaporar-se-á como já se começa a ver. No PSD pensa-se nas sondagens favoráveis de 2010, mas as sondagens de 2010 premeiam o "consenso", as de 2011 punirão a ruptura. Pode não chegar para contrariar o desgaste imenso de Sócrates, mas o PS e Sócrates não têm a mesma usura. Por tudo isto, pode ser muito imprudente fazer cair o Governo em 2011, na lógica da mera alternância do poder. Empancados.

Admito o exacto contrário do que disse antes: um levantamento nacional do género "livrem-me desse homem", "qualquer coisa é melhor do que continuar com Sócrates". Não é impossível, mas o grau de descrença na mudança, a falta de esperança, a indiferença de quem já ouviu e viu tudo sem nenhuma consequência gerou tal anomia que a fúria pode permanecer mansa e alheada. E tudo continuar na mesma até 2013. Nesse caso, quando os partidos que contam para o Governo, PS, PSD e CDS, perceberem que têm que lidar com um tempo mais longo, terão um dilema sério visto não poderem continuar como até aqui: a viver num tempo curto que implica sempre uma crise política a prazo de meses. O Governo tem que tentar governar, a oposição estabilizar uma linha de actuação e abandonar o curso errático actual de arranques e recuos. Empancados.

Seja como for, não é brilhante. Encalhados, dentro de um pequeno navio, com os bens cada vez mais escassos e muita fome, com um capitão que pensa que o navio está a singrar alegremente para a terra do mel e das rosas e nem sequer olha para o banco de areia onde repousa, com uma tripulação entre o Navio Fantasma e a Nave dos Loucos, ninguém parece ter vontade, nem saber para tentar escavar alguma areia à espera de uma salvadora maré. Empancados.

É difícil viver num país sem esperança

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© José Pacheco Pereira
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