ABRUPTO

26.7.10


COISAS DA SÁBADO: MAIS EXEMPLOS DE “CULTURALÊS”


Na semana passada referi aqui vários exemplos do “culturalês”, uma forma de linguagem burocrático-cultural, que tem ligações próximas com o “politiquês” e o “eduquês”. Eu criei o termo “politiquês”, com algum sucesso, e o “jornalistês”, sem nenhum sucesso, Marçal Grilo criou o “eduquês” com muito sucesso, espero agora contribuir para se perceber a identidade profunda entre estes falares correntes no nosso Portugal contemporâneo. É através deles que as nossas pequenas e médias elites falam com o Estado, de cima ou para o lado, e com o resto do povo de cima para baixo. Muitos exemplos de “culturalês” ficaram na gaveta na semana passada porque não cabiam no texto e vão agora, para acrescento e proveito dos ignaros incultos, ser aqui refereridos.

Veja-se este exemplo do Teatro do Vestido. Não estou a falar de nada que tenha visto e por isso não é o espectáculo em si que comento, que até pode ser genial, mas da sua apresentação ao público potencial. Estou a falar do que os seus “criadores” dizem sobre o que fazem, neste caso a “3ª edição do projecto de intervenção e colaboração do Teatro do Vestido, Esta é a minha Cidade e Eu Quero Viver Nela, em que Joana Craveiro (...) convidou o criador e performer Miguel Bonneville”. O espectáculo tinha entrada livre com a seguinte nota: “Cada intervenção tem a duração aproximada de 15 minutos e uma entrada limitada a 5 pessoas. Recomendamos marcação prévia”. 5 pessoas, não parece haver gralha. E o que se passa nessa “intervenção”:
“Este espectáculo acontece em dois quartos de hotel com comunicação entre si.(...) . Este espectáculo é sobre estranhos, camas, lençóis sujos, telefones e telefonemas, comunicação, divisão, desencontrarmo-nos uma vez, o Navio Night, estar perdida de noite sem saber o caminho de regresso a casa, ser salvo por alguém, não haver salvação possível, arranjar uma alternativa, portas entreabertas, levantar o chão, cofres atrás de quadros, segredos, a solidão, não é sobre cartas, é sobre o depois das cartas, é uma carta-postal mais do que um telegrama, é sobre ter um lugar num daqueles restaurantes que está aberto a noite inteira e que tem a um canto um casal improvável e nós sozinhos noutro canto, é sobre uma música em específico, a solidão da Gena Rowlands no Opening Night, enganares-te num número, quase conseguir alguma coisa, uma declaração que é feita e para a qual não tens resposta, teres uma sensação de não caberes em lado nenhum, é sobre ele me ter deixado, é sobre acordar várias vezes durante a noite. Este espectáculo é sobre ser português. “
 Esta “intervenção” foi apoiada pela Fnac, Internacional Design Hotel, Teatro Nacional D. Maria II e financiado pelo Ministério da Cultura. Eu gosto mesmo é de que “este espectáculo é sobre ser português”.

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© José Pacheco Pereira
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