ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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19.6.10
portugueses..zinhos de *****, merecem gentalha de ***** !!! (rui correia, torres vedras) Isto vai aqui publicado exactamente como vem nos muito respeitáveis jornais portugueses, com os insultos, as obscenidades, os erros de ortografia, os pseudónimos, os anónimos, as letras maiúsculas e minúsculas. Incluindo o PÚBLICO, onde, no momento em que escrevo este artigo, um comentador anónimo acabou de tratar assim o primeiro-ministro: "Chega de vigarice! Onde esta a credibilidade deste palhaco? OS Portugueses nao estao ja fartos de tanta mentira, trafulhice e vigarice?" Há milhares e milhares deste tipo de frases, embora não haja milhares de pessoas que lá as coloquem. Muitas vezes um só emulo do "maracutaia" escreve dezenas de comentários dividindo-se por vários locais ou repetindo dezenas de vezes o mesmo comentário. Funciona como um grito contínuo, umas vezes com um nome, outras vezes com outro e outro, mas o gritador dos insultos é o mesmo. O anonimato também é regra, mesmo quando os jornais exigem uma identificação formal, tantas vezes fictícia. E, como se sabe, escondidos atrás de pseudónimos e do anonimato, os gritadores de obscenidades gritam mais alto cheios de coragem. Duvido que um só destes jornais, do respeitável Diário Económico onde "LETHES, olho do cu" escreve, até ao popular Jornal de Notícias onde "ruicb52" nos explica sobre o destino desejado aos "ex-"put"alhada" na pt", alguma vez publicasse uma única destas frases na sua edição em papel nas "cartas dos leitores". Se é assim, por que razão praticamente todos os grandes jornais portugueses estão cheios nos seus sítios em linha destas expressões de baixaria inqualificável, que em muitos casos são puros insultos que em tribunal levariam os seus autores a expeditas condenações? Por que razão tudo é tão elegante no jornal em papel e todo o lixo imaginável se encontra na Internet? E mais: dêem as voltas que derem, o autor destes epítetos sobre "o palhaço retórico de cócoras no pu-leiro do poder xuxalista" está mesmo a escrever no Jornal de Notícias, e o dos "portugueses..zinhos de *****", mesmo protegido pelas estrelinhas, está mesmo a escrever no Diário Económico. Convinha não se fugir à responsabilidade por detrás do argumento que estas frases não são de responsabilidade dos jornais que de facto as publicam. Tudo o que está no jornal em papel, tudo o que está no jornal em linha, é de responsabilidade das suas direcções e redacções. A razão primeira destas práticas é simples: os jornais ganham dinheiro com isto. O facto de os seus sítios em linha terem comentários não-moderados, ou então "moderados" de tal forma que tudo isto passa pelo crivo do "moderador", aumenta o número de visitas e pageviews e torna o sítio mais valioso em termos de publicidade. Como nos blogues, a manutenção de caixas de comentários abertos e não-moderados tem como resultado a invasão desta baixaria e o aumento do tráfego. O convívio com este lixo dá dinheiro. Depois há outro tipo de argumentos, já a tender para o intelectual. Os comentários seriam uma forma do "povo", que não tem acesso a outros mecanismos, se fazer ouvir e dizer o que pensa dos poderosos. Seriam um mecanismo de "democracia directa" ou de "democracia participativa". Só que existe um pequeno problema, é que a "democracia directa" não é democracia, mas sim demagogia. De facto, os mecanismos do populismo e da demagogia proliferam hoje em dia na Internet, com a utilização de remailers que todos os dias enchem as caixas de correio de "denúncias", apelos à vingança e à "acção directa", o conhecido método com que se roubam gravadores. Também aqui não me parece que a linha editorial do Diário Económico assente no princípio de que "sucias , comunas , psd , cds e os gajos da liamba são todos iguais", e duvido que em dizê-lo se ganhe alguma coisa em termos de qualidade da democracia. Há também o argumento que tudo se pode dizer na Internet senão está-se a fazer censura e que por isso as caixas de comentários são uma manifestação da liberdade irrestrita que traduz o espírito da Internet. Na verdade, tudo isto é falacioso, a não ser que se entenda que as sociedades não devem ter lei nem ordem e a Internet vai continuar a ser a selva pura onde tudo se pode dizer, sem responsabilidade. Defendo há muito que o que é crime cá fora é crime lá dentro e os jornais, ao permitirem que nos seus sítios haja insultos ou mesmo acusações graves, correm o mesmo risco que qualquer cidadão que possa ser acusado de ter abusado da liberdade de imprensa para caluniar ou pôr em causa a dignidade e o bom-nome de alguém. A liberdade de expressão nada tem a ver com isto e protege as opiniões, por excessivas e provocatórias que sejam, mas nunca o crime. As caixas de comentários cheias deste lixo são um sintoma de degradação do jornalismo contemporâneo e não uma sua força. Mostram como a retórica da referência e da respeitabilidade, assim como a deontologia, ficam à porta dos sítios em linha considerados, na prática, um local menor onde os jornais de referência se tornam num repositório de lixo. (Versão do Público de 12 de Junho de 2010.) (url)
© José Pacheco Pereira
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