ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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1.4.10
MANUELA FERREIRA LEITE Sempre disse que a eleição de Manuela Ferreira Leite em 2008 tinha sido um milagre no actual curso das coisas no PSD. Esse curso já dura há muito tempo e é a “normalidade”. O partido vinha de um Congresso que tinha aclamado por unanimidade Santana Lopes em vésperas de eleições, sem uma única voz crítica e as que existiam fora contavam-se pelos dedos de uma mão. De uma mão, exactamente. Podiam ter peso na opinião pública, não o tinham no partido. Depois veio Marques Mendes que tinha “partido” consigo, mas que nunca analisou o que tinha acontecido em 2002-5, nem a fuga de Barroso, nem a governação Barroso – Lopes. Hoje toda a gente acha que sabe e dizia à vontade por que razão Manuela Ferreira Leite perdeu as eleições. Em 2005, quando era necessário fazer-se uma análise do que acontecera à última experiência governativa do PSD com o CDS-PP, ninguém teve a coragem de ir muito longe, nem Marques Mendes. Na verdade, compreende-se, todo o partido tinha estado comprometido, de novo com meia dúzia de excepções, e por isso era incómodo estar a discutir aquilo que tinha sido o desbaratar de uma tradição de qualidade governativa. Sócrates ganhou a maioria absoluta porque o PSD perdeu a honra de ser um partido que tinha tido uma grande qualidade de governação, com Sá Carneiro e Cavaco. Ainda hoje há uma parte da resistência do eleitorado a dar-lhe o seu voto por causa da percepção negativa da sua última experiência de governação. Quando Marques Mendes pôs em causa a indiferença do partido face ao escândalo público gerado pelos casos de justiça, em particular os de Isaltino e o de Valentim Loureiro, e acabou prisioneiro do pântano lisboeta, o partido correu-o e deu o poder a Menezes. As razões foram as mesmas das do congresso que aclamou Santana Lopes unanimemente, quando já todos podiam perceber que se caminhava para o desastre: Menezes dizia que Marques Mendes nunca podia chegar ao poder e ele podia. Um partido que acredita que Menezes pode ser Primeiro-ministro de Portugal, merece o que lhe aconteceu. Depois foi o que se viu, um partido prisioneiro de um contínuo psicodrama, que terminou com uma deserção. Pode ser cómodo encontrar sempre nos críticos a explicação para tudo, mas não é pura e simplesmente verdade. Aliás a história da “bomba”, que me é atribuída falsamente, foi uma frase de Menezes que disse que não sairia “nem à bomba” e que eu glosei. Uma semana depois, saiu por razões completamente por explicar. Depois veio Manuela Ferreira Leite que ganhou quase à tangente e que de facto era outra coisa, para o PSD e para a política portuguesa. Era alguém que estava na vida política sem ambição pessoal e de carreira, atitude tão rara hoje que se torna incompreensível, e que tinha uma posição de intransigência perante as modas e a “narrativa” teatral que hoje é a política. E depois falava de palavras que se tornaram hoje tão bizarras, como por exemplo “verdade”. Não preciso que me atirem com compêndios de ciência política para me explicarem que existe um enorme risco de confundir o discurso político com o de uma ética que remete sempre para o indivíduo. Já o escrevi várias vezes antes de sonhar sequer que Manuela Ferreira Leite iria suscitar este debate, que hostiliza o país habituado à mentira que somos hoje. Mas, numa política cada vez mais dominada pela espectacularização, pelo marketing, pelo soundbite, pela mentira orwelliana, existe de facto uma problema de “verdade” em política, problema puramente político. E isso é um enorme incómodo para pessoas como Sócrates, mas também para uma comunicação social que vive da espuma dos dias e que comparticipa na mesma espectacularidade que constrói um contínuo entre políticos e jornalistas, cada vez mais iguais nos defeitos. O ódio que muita comunicação social mostrou a Manuela Ferreira Leite vinha de ela ser um exemplo vivo do contrário e ter dito aquilo que era preciso dizer, mesmo quando o país não o queria ouvir. Disse-o sobre as grandes obras públicas, a dívida, a situação social, a economia fictícia de Sócrates, a crise que havia antes e a que houve depois. E foi a única a dizê-lo no sistema político. Hoje todos a repetem, obviamente sem lhe reconhecer o mérito. E disse-o porque era “verdade” e a mentira que se lhe opunha deixa todos os dias os portugueses mais pobres e o país mais dependente. Fez asneiras? Certamente que fez, umas de sua responsabilidade, outras de responsabilidade colectiva da sua direcção que, salvo raras excepções, a deixou sozinha logo que perdeu as eleições. Falhou numa eleição, como antes tinham falhado Sá Carneiro, Cavaco, Nogueira, Barroso, Lopes, em circunstâncias diferentes e em momentos diferentes, com mais ou menos responsabilidade subjectiva. Mas todos os dias, a começar pelo governo no PEC e a acabar nos que a criticaram dentro do PSD, toda a gente lhe dá contrariada a razão que nunca lhe reconheceu quando era preciso e era fundamental para evitar os enormes custos que os portugueses vão ter que pagar pela mentira. É que a “verdade” acabou por vir ao de cima. O falhanço eleitoral, para que uma parte do partido contribuiu activamente, foi tratado de forma diferente de todos os anteriores, com sanha e ódio porque o que estava em causa era uma personalidade que afronta muita gente pelo simples facto de existir. Há quem no PSD veja com grande alívio o afastamento de Manuela Ferreira Leite. Mas não tenho dúvida que maior alívio tem o PS e José Sócrates. (Versão da Sábado de 31 de Março de 2010.) (url)
© José Pacheco Pereira
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