ABRUPTO

20.3.10


COISAS DA SÁBADO:
ARRANJAR BODES EXPIATÓRIOS E NÃO DEFRONTAR OS PROBLEMAS




A votação no Congresso do PSD de sanções agravadas para os militantes que criticam as “directrizes” do partido ou a sua direcção não é apenas um incidente de fim de Congresso, mas algo de mais fundo e que tem a ver com a doença que há muito tempo mina o PSD. Ponhamos em ordem alguns factos.

Primeiro, é verdade que uma norma semelhante já existia no Regulamento de Disciplina, mas tinha caído efectivamente em desuso, como aliás aconteceu noutros partidos com idênticas normas, com a excepção do PCP. Ao fazer-se um upgrade da norma, a que, quando se está no receiving end parece e é mesmo uma “lei da rolha”, e uma sua reafirmação, está-se de facto a valorizar o seu conteúdo sancionatório. O que acontece com muitas normas partidárias é que elas foram pensadas para um determinado tempo histórico dos partidos e não são compatíveis com o ambiente de pluralidade mediática e crítica dos nossos dias. Se uma norma destas fosse aplicada o PSD ficaria como o PS, que distribuí dezenas de militantes ortodoxos por toda a comunicação social, que ninguém ouve, nem quer ouvir, com excepção dos próprios militantes partidários O debate público seria por parte do PSD uma recitação sem credibilidade nem interesse das posições oficiais. Deixaria de haver discussão, para haver repetição.

Segundo, o prazo estipulado é absurdo, 60 dias antes de uma eleição, dado que, na verdade. ele se aplica a todas as eleições e a todos os níveis da actividade partidária. Numa eleição para uma Junta de Freguesia, a regra tem tanto sentido como numa crítica a uma direcção nacional, e , formulada como está, abrange tudo. E mais: ela está sempre em vigor a qualquer momento e acaba por criar um estado de lei da rolha a todos os níveis e em todos os momentos .


Terceiro, ela é genericamente inaplicável, o que significa que ela vai ser usada de forma pontual, como um instrumento privilegiado para perseguições ad hominem, ao sabor das conjunturas políticas dentro do partido. Esta norma permite perseguições selectivas aos adversários de uma determinada maioria, local, distrital ou nacional. Na verdade se tal norma existisse já estariam fora do partido Cavaco Silva (entre outras coisas pelo artigo sobre como a moeda má expulsa a moeda boa) , Marcelo Rebelo de Sousa (praticamente todas as semanas criticou todas as direcções nacionais do partido depois e antes da sua), Alberto João Jardim (mês sim, mês não, faz declarações tonitruantes contra o PSD nacional), Marques Mendes (que criticou Santana Lopes), Pedro Passos Coelho (que organizou uma espécie de PSD-2 que produzia declarações hostis à direcção quase todos os dias, até ao último dia antes do voto), Aguiar Branco (cuja entrevista na Visão foi o motivo próximo da queda de Meneses), Luís Filipe Meneses (cujas declarações rancorosas e desequilibradas são semanais, mas que, para os esquecidos, combateu em público e com violência, junto com Valentim Loureiro, a direcção de Marcelo e o secretário-geral Rui Rio), etc,, etc. E, para que se não diga que fico apenas pelos chamados “notáveis”, o mesmo se aplicaria a responsáveis das Distritais como Marco António (que criticou as opções eleitorais para as europeias, menos de 60 dias antes…) e Carlos Carreiras (que criticou as listas de deputados, menos de 60 dias antes das legislativas…). Ora aí está. Uma das coisas que fica proibida é a critica à constituição de listas, uma actividade preferida de todos os presidentes de distritais, a menos de 60 dias antes das eleições…E claro, Santana Lopes que não só criticou inúmeras vezes as direcções do partido como chegou ao ponto, bem mais grave, de sugerir várias vezes que podia sair do PSD para fazer outro partido. Já não me refiro a mim próprio, que, tenho poucas dúvidas, ser um dos alvos principais desta norma..

Quarto, e se for uma direcção que se afaste do programa do partido, que prossiga políticas que violam o conteúdo personalista, politicamente liberal e social-democrata que dá identidade ao partido, que, de facto, traia no preciso sentido do termo? Que se coloque sob a direcção de outro partido, como o PS, ou deixe que o partido seja capturado por interesses económicos ou pela corrupção? Que assuma posições contra o interesse nacional? Não é nessa altura legítimo criticar, mesmo sabendo que quem assim actua usará exactamente deste instrumento disciplinar para calar as críticas? Surpreende-me que o partido acabe por ter uma rígida condenação do delito de opinião e nenhuma quanto a actos de corrupção, com que é muito benevolente. Já viram num Congresso alguém indignar-se pela participação de figuras do partido em escândalos financeiros ou com sérios indícios de fraude e corrupção? Perguntem em Oeiras, onde é que está fisicamente muita da estrutura do partido? E perguntem a Marques Mendes, hoje incensado, por que razão perdeu as eleições contra Menezes, quando algumas acções de moralização em Oeiras, Gondomar e Lisboa levaram o partido a corre-lo de líder para entregar a direcção a Meneses.

Por último, seja como for, a aprovação da norma não foi um acaso devido aos ressentimentos de Santana Lopes, como também não foi por acaso que os candidatos à liderança foram tão ambíguos em combate-la. É que não tenho dúvidas que ela é popular e, mesmo num novo congresso, não me admiraria de a ver confirmada. As “bases” ligadas ao aparelho querem sangue e não lhes repugna que com esta norma o PSD tenha deitado fora muito do seu capital de partido numa altura em que a liberdade é posta em causa por atitudes do PS.
Eu sei que por muitas razões, anti-intelectualismo, vontade de ver punidos os militantes que tem acesso à comunicação social ( esquecendo-se que alguns deles são muito mais consequentes do que muita gente no aparelho partidário presa por acordos com o PS e interesses locais, no combate ao PS e Sócrates) até por uma forma particular de “luta de classes” que alguns incentivam irresponsavelmente..

Mas convinha que se reflectisse porque razão este aumento de atitudes persecutórias e exclusoras caracteriza os nossos dias. Por um lado, porque as direcções são cada vez mais frágeis e por outro porque encontrar um ou outro bode expiatório é cómodo para não irmos ao fundo dos problemas da crise actual do PSD. É que se fossemos não iríamos gostar do que encontraríamos, perderia brilho a camisola, e uma séria reflexão apontaria para outros sítios onde se perdeu mais do que uma eleição, mas também a honra do partido, a sua credibilidade e o seu prestigio como partido de governo.

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© José Pacheco Pereira
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