ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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21.12.09
![]() MEMÓRIA VIVA DE SÁ CARNEIRO ![]() ![]() Por isso, do ponto de vista ideológico, a tentativa de aproximação à Internacional Socialista não foi apenas pragmática ou "oportunista", por razões de procura de legitimidade política no ambiente radicalizado de 1974-5. Bem pelo contrário. A adesão à Internacional Socialista era para Sá Carneiro (e para sectores ainda mais "socialistas" como era então a JSD) uma política consistente, fortemente desejada e considerada de grande importância, e prosseguida com grande vigor e muitos esforços. Sá Carneiro via aí também um travão a que o partido se deslocasse para a direita. O principal factor dessa deslocação era o anti comunismo, um factor comum nesta elite fundadora, mas ainda mais importante naquilo a que se viriam a chamar as "bases". Esta elite partidária, que depois, já de forma perversa e já na sua própria decadência, veio a ser qualificada de "barões", não estava acantonada num partido separado da governação. Bem pelo contrário, há um simbiose perfeita entre a direcção política partidária e a participação do PPD/PSD na governação, inclusive institucionalizada em órgãos como a Comissão Permanente para os Assuntos Governativos. Ou seja, a direcção do partido conduz politicamente a governação sem ambiguidades, e discute as grandes opções políticas e as prioridades legislativas, como é normal numa democracia parlamentar e partidária. A separação de águas entre partido e governo, feita pela exclusão do partido, foi típica dos anos de Cavaco Silva, e desertificou os órgãos de topo e deixou-o entregue apenas à política local e à partilha dos lugares de poder. É verdade, diga-se em favor de Cavaco Silva, que os órgãos de topo do partido, a Comissão Política em particular, tornou-se inconfiável devido às fugas de informação. No tempo de Sá Carneiro já havia fugas, mas não se compara à destruição do papel dos órgãos dirigentes do partido pelas sistemáticas fugas de informação dos seus membros. Este processo enfraqueceu o PSD, e os governos do PSD. O partido ficava entregue a uma agenda menor muito ligada à partilha do pequeno poder e o governo perde dimensão e condução política. ![]() E depois há "povo laranjinha" que, nestes anos turbulentos, se mobilizava pelo anticomunismo no Norte, e ao lado da Igreja e da sociedade local, e que via os partidos mais à esquerda, PCP e MDP, tomarem todos os poderes por via "administrativa" com o apoio do MFA. Esse "povo" comunicava com idêntico "povo" socialista na defesa dos valores tradicionais postos em risco pelo PREC, em particular, nos meios camponeses, a propriedade privada. Mas uma parte dele desenvolveu rapidamente uma ligação "orgânica" com essa elite urbana e a sua expressão local, mais as "forças vivas", os self made man, que eram na sua maioria expressão do comércio ou da pequena indústria local, ou de uma nova burocracia que se começava a formar naquilo que viria a ser designado "poder local". Estas eram as "bases" originais. Esse "povo" não precisava de aparelho para se mobilizar e enquadrar, e constituiu uma força sempre ao dispor dos dirigentes nacionais do PSD até à Aliança Democrática. É provável que tenha sido a AD, um verdadeiro rolo compressor político, a última expressão deste PPD/PSD inicial. Por fim, há a política e a ideologia. Basta ler um discurso de Sá Carneiro para se perceber a enorme distância que existe entre o que o preocupava e motivava politicamente e o que passa por ser "política" na actualidade. Os seus papéis mostram uma contínua presença de questões ideológicas nos debates internos, e em particular as pastas sobre as dissidências que levaram à criação da ASDI revelam que, para além dos antagonismos pessoais, havia questões ideológicas e políticas de fundo. Mas, mais do que isso, mesmo em documentos que poderiam ser entendidos como conjunturais, existe uma ideia do ethos da política que impregnava a acção destes homens. Um documento interno como o "Memorando sobre as Negociações para a Constituição do II Governo Constitucional" começava com a seguinte frase: "Para o PSD, o traçado de uma nova política assume prioridade em relação ao mero problema do exercício do poder." Quem diria hoje isto com verdade? De facto, não era a carreira nem o "protagonismo" que motivava estes homens que fundaram o PSD. Tal não significava que fossem perfeitos e que não tivessem vaidades, ambições, presunções, mas como não eram de plástico, nem feitos por especialistas de "comunicação" e marketing, tinham profissões e sólido prestígio social, ganho fora e não dentro do partido, pensavam diferente, actuavam diferente, e o seu exemplo, tão importante em instituições como os partidos na sua génese, mobilizava de forma diferente, gente diferente. Nestes dias de aridez política e de muito oportunismo à solta, os papéis de Sá Carneiro continuarão a ser a melhor companhia para o militante do PSD que assina este artigo. (Versão do Público, 19 de Dezeembro de 2009.) (url)
© José Pacheco Pereira
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