ABRUPTO

10.11.09


A DECADÊNCIA DO OCIDENTE



- Τι περιμένουμε στην αγορά συναθροισμένοι;
Είναι οι βάρβαροι να φθάσουν σήμερα.

- Γιατί μέσα στην Σύγκλητο μια τέτοια απραξία;

Τι κάθοντ' οι Συγκλητικοί και δεν νομοθετούνε;
Γιατί οι βάρβαροι θα φθάσουν σήμερα.
Τι νόμους πια θα κάμουν οι Συγκλητικοί;

Οι βάρβαροι σαν έλθουν θα νομοθετήσουν.


O que esperamos nós em multidão no Forum?
Os Bárbaros que chegam hoje.

Dentro do Senado, porque tanta inacção?

Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?

É que os Bárbaros chegam hoje.

Que leis haviam de fazer agora os senadores?

Os Bárbaros, quando vierem ditarão as leis.


As previsões sobre a "decadência do Ocidente" são antigas e recorrentes. Há cem anos estavam inscritas em muito do mais interessante pensamento desse mesmo Ocidente, de Nietzsche a Spengler. Os grandes movimentos totalitários do nazismo e do comunismo mantinham uma relação muito próxima com essa possibilidade, contrariada ou desejada, de "decadência". O nazismo usava uma análise spengleriana, assumindo ao mesmo tempo uma afirmação do Reich como corolário dos valores épicos europeus, e defendendo o Ocidente simultaneamente contra as "plutocracias", em particular os EUA, e a "barbárie bolchevista". O comunismo, por seu lado, mantinha a visão teleológica da história que vinha de Hegel, propondo-se ultrapassar a "decadência" do capitalismo pela utopia da sociedade sem classes.

Tudo o que era filosofia da história e movimento político assente numa interpretação ou numa variante do destino manifesto assumia como sua a missão de contrariar uma realidade tida como "decadente". Essa realidade era muito mais sentida quando a história parecia estagnar e não mover-se, entre as guerras, mas permaneceu sempre uma sensação de perda de vitalidade cultural e civilizacional. O fim do colonialismo e o complexo antieuropocêntrico que se lhe seguiu deram origem a muitas das ideias politicamente correctas que circulam nos nossos dias, como o multiculturalismo, versões de um relativismo cultural, civilizacional e político que legitima essa mesma "decadência".

Esta crise está também ligada a uma nova dimensão de "guerra cultural", e religiosa, associada ao conflito antiocidental com origem no fundamentalismo muçulmano, cuja expressão através de formas de terrorismo apocalíptico abriram o século com a destruição das Torres Gémeas. Face à dimensão de conflito cultural e civilizacional do fundamentalismo muçulmano, é muito nítida a dificuldade de resposta identitária, em tempos de multiculturalismo.


Uma cultura da catástrofe, outra forma de exprimir a decadência e a crise, só que com o factor da aceleração e surpresa, atravessou todo o século XX com altos e baixos, emergindo ou submergindo conforme a percepção pública dos riscos. A crise gerada pelo medo da guerra termonuclear nos anos cinquenta foi talvez a mais significativa, dando origem a uma cultura popular da catástrofe, que se expressou no cinema e na ficção científica, mas que também penetrou na teoria política através da erosão de todas as ideologias que mantinham um conceito de "guerra justa", como era o caso do comunismo. A impossibilidade de ganhar uma guerra termonuclear, o fundamento do Mutual Assured Destruction (MAD) que nos deu cinquenta anos de paz, ao pôr em causa a possibilidade de considerar a guerra como a expressão última da luta de classes mundial, a política pelos "meios violentos" de que falava Lenine, levou à destruição interior da coerência do marxismo-lenismo, e à sucessão histórica de expressões dessa implosão: a "coexistência pacífica" de Krutchev, o conflito sino-soviético e, por fim, a queda do Muro de Berlim.

O catastrofismo continua muito presente no pensamento político corrente, em particular na sua versão ecológica, através desta espécie de versão actual do medo do Milénio, a catástrofe oriunda das alterações climáticas, ou no medo das experiências com o Large Hadron Collider com as suas versões cinematográficas com grande sucesso popular. Estes medos são uma expressão de desconfiança no futuro e sinal de perda de controlo da realidade.

Dito tudo isto e sabendo-se muito bem que eminências de "decadências", catástrofes previstas para o dia ou o século seguinte são muito comuns, nem por isso deixa de ser possível que desta vez seja mesmo a sério. Que a "crise" actual que atravessamos, entendida como uma crise económica e financeira, seja mais do que isso uma expressão da tão temida "decadência do Ocidente", incluindo até uma sua variante clássica, a do "perigo amarelo". Na verdade, embora a crise actual tenha uma dimensão mundial, ela é desigual na sua expressão, e existe a percepção de que a competição da Europa e dos EUA com as novas potências "emergentes" se faz em desfavor dos primeiros.

A deslocação do dinamismo económico para a Ásia, com o papel crescente da China, está associada igualmente a uma dimensão político-militar. Quando se diz que o século XXI será "sino-americano", a maioria dos que o afirmam acham que o lado "sino" é muito mais importante do que o "americano". Para esta equação a Europa conta pouco e conta cada vez menos. Apesar da sua dimensão económica, a Europa perdeu qualquer papel relevante do ponto de vista diplomático-militar, e mesmo as condições da sua crise interior, apenas disfarçadas e adiadas pelo Tratado de Lisboa, atingiram um ponto de estagnação. O chamado "modelo social europeu" é insustentável a prazo e a sua debilidade face à crise económica e financeira revela como se alteraram os factores de competitividade na economia mundial e o dinamismo social que daí advêm.

Por tudo isto, pode ser que desta vez a "decadência do Ocidente" tenha mesmo chegado, e que este século conheça o fim da hegemonia económica, cultural e política da Europa, da cultura ocidental de raiz judaico-cristã. É possível também que a democracia conheça um recuo muito decisivo, uma crise que revele como era inconsistente a ideia "olimpiana" de que o sistema político democrático se iria generalizar após a queda do Muro de Berlim.





A chave de tal acontecer está, por muito bizarro que isso possa parecer aos nossos olhos já muito "decadentes", está onde sempre esteve: na existência de uma maior capacidade militar das democracias em relação aos seus adversários até porque todas as ditaduras têm sempre uma rota de colisão com as democracias. Por isso, a questão que pode fazer tudo mudar é saber até que ponto a segurança do "Ocidente" permanece garantida pela praticamente única democracia armada que existe, os EUA. É também por isso que a presidência Obama pode ser o momento de um desequilíbrio de forças que pode marcar de facto essa "decadência" de forma inelutável.

Και τώρα τι θα γένουμε χωρίς βαρβάρους.
Οι άνθρωποι αυτοί ήσαν μια κάποια λύσις.


E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?

Essa gente era uma espécie de solução.


(Cavafy)

(Versão do Público de 7 de Novembro de 2009.)

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© José Pacheco Pereira
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