ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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25.7.09
Muitas vezes fazem-se perguntas que parecem ter todo o sentido na linguagem comum e que não o têm quando a resposta tem que ser dada dentro de uma teorização científica. O caso mais típico é a pergunta sobre o que é que existia antes de existir o mundo. Um físico dirá que não tem sentido separar o tempo da matéria, que ambos são a mesma coisa e que por isso não há um “antes” em que o tempo existia fora do “mundo” e que o precedia. Por isso, a pergunta já contém um condicionamento não científico para a resposta, ou seja, é uma pergunta errada, um círculo vicioso. As coisas também não são assim tão simples para os cientistas e os filósofos, porque a pergunta ganha sentido se a colocarmos no âmbito da psicologia humana, da nossa dependência dos nossos precários sentidos, em que o tempo precede de facto a matéria, porque a nossa noção de causalidade é macroscópica e “sentida”. No nosso universo sensível o tempo e as coisas são diferentes - as coisas tem muito mais tempo que nós - e a criação ex-nihilo ou é obra de Deus ou da magia. Quando da discussão da proposta de Jardim sobre a condenação do comunismo enquanto ideologia totalitária (na verdade, esta versão da proposta já é uma correcção da inicial, mas serve para a discussão) houve quem dissesse que os comunistas tinham lutado pela “liberdade” antes do 25 de Abril e por isso era um “insulto” a condenação do comunismo. O reverso está em quem disse que os comunistas tinham era lutado por uma sociedade totalitária, que nada tem a ver com a democracia e que falavam de “liberdade” apenas de um forma instrumental ou com um sentido que não é o corrente nas democracias. Sendo assim, os comunistas não tinham lutado pela “liberdade” mas por uma etapa da ditadura do proletariado. À primeira vista ambos parecem ter razão e pode-se admitir que, mesmo numa concepção “solta” da história, as duas razões coexistam. Depois podemos aproximar-nos mais de uma ou outra “razão” conforme usemos diferentes instrumentos, da ciência política, da história das ideologias, ou diferentes interpretações da história do século XX. Se considerarmos, por exemplo, que todo o século foi atravessado por uma contínua guerra civil, de que comunistas e fascistas foram os mais evidentes protagonistas, o resultado é um. Se caminharmos para uma dissociação entre as intenções ideológicas expressas e o efeito histórico concreto, então o resultado é outro. OS COMUNISTAS E A LIBERDADE SEM ASPAS Há aqui várias “verdades” em conflito. É “verdade” que a “liberdade” por que lutaram os comunistas é do ponto de vista ideológico muito diferente da liberdade dos liberais e democratas. Também é “verdade” que a sociedade que os comunistas pretendiam construir (não nos esqueçamos que estamos a falar de mais de trinta anos de Estaline no conjunto da história do comunismo “real”) era totalitária. Mas também é “verdade” que, durante quarenta e oito anos, a luta contra o regime teve um papel central dos comunistas, muito mais acentuado porque foi durante muito tempo quase solitário. E que portanto nos seus actos eles eram dadores de “liberdade” e esperança para quem recusava a ditadura que viveria num mundo muito mais claustrofóbico sem as acções em que os comunistas se envolviam e que muitas vezes só existiam porque eram feitas com não-comunistas ou ultrapassavam nos seus efeitos as intenções programadas dos comunistas. Sendo assim eles contribuíram de facto para o 25 de Abril, para a nossa liberdade, sem aspas. Como disse num texto Mao Zedong, com um pragmatismo que tinha às vezes, não interessa saber se alguém está numa barricada por razões amorosas ou porque está despeitado no emprego, ou porque é violento por natureza, desde que dispare para o lado do “inimigo”. Pode parecer cru e simples, mas a história é assim. A PROPOSTA DE JARDIM DE CONDENAR O COMUNISMO NA CONSTITUIÇÃO Que sentido tem a proposta de Jardim, que não é nova, nem única, no sentido em que em muitos países que conheceram o comunismo “real” trazido nos tanques soviéticos (e foram todos a Leste com excepção da Jugoslávia e da Albânia, por singular coincidência, os que se afastaram do modelo do comunismo soviético) foram feitas propostas desse tipo? Embora não se saiba bem qual foi ou é a proposta, se o seu sentido “útil” é propor a eliminação da condenação unilateral do fascismo da Constituição mostrando que a se lá se coloca o fascismo deveria estar o comunismo, pode admitir-se. Mas é só isso: limpar a Constituição de condenações ideológicas unilaterais, que abrem caminho a uma criminalização de organizações e de actividades políticas concretas de forma discriminatória. Numa democracia não só não deve haver crimes políticos, como também se deve entender a liberdade como a liberdade dos outros, por estranhas, repelentes, absurdas, chocantes que sejam as sua ideias. É a lei comum que deve ser aplicada, cega ao facto de um crime, seja invadir um campo de milho transgénico, seja vandalizar uma campa num cemitério judaico, seja partir um vidro de um banco, seja bloquear o trânsito de uma ponte, ser cometido por um fascista, um comunista, um skinhead, um ecologista radical, um anarquista, ou um membro de uma claque violenta, ou qualquer um de nós. * E agora um comentário relativo ao texto «OS COMUNISTAS E A LIBERDADE SEM ASPAS». Estou de acordo que a luta dos comunistas por uma sociedade comunista teve muitas vezes como efeito prático um aumento de liberdade (a verdadeira). Mas não me sinto grato por isso. Imagine que é noite, está a dormir na sua casa e entra lá um ladrão para a assaltar. Começa um incêndio e o ladrão começa a gritar por socorro. O resultado disso é que os bombeiros chegam mais cedo do que teriam chegado se o ladrão lá não estivesse. Acha que sentiria gratidão pelo ladrão? Eu acharia só que teria tido sorte. (url)
© José Pacheco Pereira
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