ABRUPTO

28.6.09


A "RENOVAÇÃO" QUE SE EXIGE

Quando Churchill chegou em 1940 ao lugar de primeiro-ministro de uma nação em guerra e a perder essa guerra, tinha quase quarenta anos de experiência parlamentar. Tinha sido quase tudo o que se podia ser: militar, estratega, parlamentar, ministro, jornalista, escritor, historiador, homem público, tudo. Era certamente uma das faces mais "gastas", como agora se diz, da vida política britânica. Era, com igual certeza, uma das pessoas que menos "renovação" traziam ao governo, ele que já por lá tinha passado várias vezes e algumas delas de forma bem conflitual. Era, com a certeza das certezas, uma personalidade "pouco consensual", tendo distribuído uma seara de ódios, de facções, de confrontos, de polémicas, ímpar nesses mesmos quarenta anos que o século durava. Tinha inimigos, completamente hostis, que o consideravam tudo aquilo que a política não devia ser: era acusado de ser irresponsável, incompetente, vingativo, belicista, conflituoso, quase um traidor. Os seus adversários odiavam-no muito menos do que os seus correlegionários, um sinal de intensidade do ódio muito particular. No seu partido tinha os maiores inimigos, que o acusavam de tudo o que de mal acontecera ao Reino Unido, desde derrotas militares sangrentas até a desastres eleitorais. Para além disso, era velho, gordo, bebia, era demasiado nobre de nascimento, tinha dívidas, maus costumes e língua afiada. E, homem da escrita e dos jornais, panfletário e excessivo, também não tinha os jornalistas em grande consideração. Em suma: Churchill chumbaria em todos os critérios mediáticos dos nossos dias e seria considerado tudo menos "uma face fresca", vinda da geração certa, que pudesse receber os elogios da "renovação", a variante em política do critério de "novidade" permanente que move jornais, rádios e televisões.

Vem isto a propósito da redução da "novidade", logo da "renovação", como um valor, à idade, ao turnover geracional, à "frescura" da face, como se isso fosse um critério fundamental para as escolhas políticos. Com enorme enfado, os jornalistas premeiam ou punem a "renovação" por este critério. Os critérios que usam são bastante parecidos com os da publicidade e inserem-se na tendência da redução da política ao espectáculo. Paulo Rangel beneficiou dele, mas duvido que esse seja o critério de qualidade que mais lhe interesse, dado que a "novidade" é a primeira coisa a gastar-se. Só quem não reparou na sua performance como líder parlamentar é que se pode ter surpreendido com a sua campanha. Aí também ele não era "novo", mas foi visto como tal pelos mesmos que o depreciavam como parlamentar e davam sempre a Sócrates as estrelas todas. Foi preciso que o estereótipo se impusesse, para beneficiar dele, neste caso para alguém com mérito. Menos mérito tem quem constrói uma "novidade" para fazer passar o gato pela lebre da "novidade" e, infelizmente, há muitos candidatos para isso e têm, no essencial, boa imprensa. Falsos "novos" como Passos Coelho usam a face como estratégia de marketing e o "novo" como mecanismo de reciclagem. Ou o novo porta-voz do PS, João Tiago Silveira, que foi apresentado pelo Expresso como uma "lufada de ar fresco" à custa de se iludir a sua actividade concreta como secretário de Estado, que mostrava como os "novos" podem ser os mais eficazes repetidores dos vícios dos velhos.

Muita coisa má se está a promover à custa da idade e da renovação "geracional", disfarçando conflitos de poder pelos bens escassos, não entrando em conta com outros critérios menos mediáticos e espectaculares. Numa sociedade equilibrada, numa democracia capaz, os critérios incluem a idade e a geração, mas incluem igualmente os costumes públicos, a experiência, os comportamentos, as ideias e as práticas. Ou seja, são indivíduos que são avaliados, não abstracções na moda. Por isso, se me perguntarem que "renovação" eu quero, por exemplo, nas listas de deputados, nos membros do governo, eu respondo de modo muito diferente daquele que por aí impera. Deve ser da idade.

Por exemplo, para mim, renovar é trazer para a política pessoas com vida e profissão, que tenham conhecido dificuldades, desilusões, derrotas, perdas, que sejam mais de carne do que de plástico. Há cada vez menos gente assim na política, à medida que nos partidos as jotas funcionam como incubadoras de carreiras semiprofissionais e profissionais de política. Elas implicam quase sempre baixa qualificação profissional, cursos de segunda, pouca experiência profissional e vidas que rapidamente acedem a regalias e prebendas que separam os que as recebem do comum dos cidadãos e dos seus companheiros de geração. Quem entra para assessor numa autarquia, ou para deputado, sem ter tido profissão, tende a ficar preso pela sua falta de qualificações e saída profissional. Os aparelhos partidários estão cheios de gente assim, que gere obediências e sindicatos de voto, a quem não se conhece um "não" que os afaste por consciência de qualquer lugar.

É para mim incompreensível que alguém que discorda profundamente de uma direcção partidária (já não digo de uma política, porque aí é tudo muito maleável) queira ser deputado em representação dessa maneira de fazer política que abomina. Não gosto de dar o meu exemplo, porque num mundo normal isto seria tão habitual como respirar, mas não concordando com a aliança entre o PP e o PSD nas eleições para o Parlamento Europeu, declinei sem qualquer drama o convite para ficar.

Por exemplo, para mim, renovar significa escolher pessoas que mostrem ter uma intransigência grande com a corrupção. Não basta serem honestas e sérias, o que muita gente é na política. É preciso ir mais longe, dada a natureza do meio e das suas tentações, é preciso não pactuar com quem seja menos honesto. Embora este seja um terreno difícil, a "ética republicana" como queria Pina Moura não é apenas a lei e os prevaricadores não são apenas os culpados em tribunal. É necessário que nos partidos políticos haja cada vez mais gente que não ajuda, promova, seja indiferente com quem abusa do seu lugar, quem enriquece sem explicação, quem serve o contínuo tráfego de influências que passa pela política. Os partidos políticos, em particular o PS, o PSD e o CDS, pagam em termos da opinião pública um preço elevado pelo comportamento dos seus dirigentes e militantes, envolvidos em histórias pouco dignificantes, mesmo que não cheguem a ser crimes. Muito da regeneração possível dos partidos passa por aí, embora reconheça as enormes pressões para marginalizar quem não pactua com esses hábitos.

Para mim, renovar é procurar diversidade, de modo que Portugal todo caiba na política e não apenas os eleitos pela fortuna, pela riqueza e pela classe social e pelo nascimento. Mais importante do que as quotas (que penso serem um absurdo, como o é a lei da paridade) é encontrar pessoas com capacidade de falarem e serem ouvidas pela sociedade portuguesa em todos os seus matizes. A maioria dos portugueses são operários, agricultores, trabalhadores dos serviços, funcionários públicos, micro e pequeno-empresários, e todos eles estão sub-representados na vida política, quer enquanto tal, quer através de representantes que conheçam os seus problemas e falem a sua língua. É o problema de qualificar a acção política por "saberes" diversos, fruto da experiência, do conhecimento de vida, do estudo, para evitar o progressivo divórcio entre a realidade nacional e a representação política.

Podia continuar, mas penso que já se percebe. Faça-se a "renovação" por aqui e encontrar-se-á gente nova e mais velha, capaz de nos fornecer melhores políticos. Mas para que tal seja possível nos partidos é necessário ir muito mais longe do que os poderes e equilíbrios internos, porque a realidade mostra que as escolhas das direcções nacionais são mais racionais do que as dos aparelhos interiores aos partidos. E não estou propriamente a pedir Churchills. Vamos ver.

(Versão do Público de 27 de Junho de 2009.)

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© José Pacheco Pereira
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