ABRUPTO

10.6.09


NÃO HÁ FOME QUE NÃO DÊ FARTURA - A PROPÓSITO DO JEJUM NATURAL
(Actualizado)

Ver Jejum Natural.

Recebi de Azeredo Lopes, Presidente da ERC, a seguinte carta que reproduzo integralmente:
Caro Pacheco Pereira,

Pelo que pude ler no seu blogue, não compreendeu “de todo” o meu artigo em que respondia a um outro artigo seu (“Jejum natural”), da mesma forma não tendo eu sido claro, nem quanto à intenção, nem quanto ao conteúdo.


Se acrescentarmos a essa minha ausência de clareza a circunstância de, pelos vistos, o meu texto ser também incompreensível porque mal redigido e cheio de erros – esse é o diagnóstico de um dos comentários que publicou – resta-me fazer nova tentativa. A culpa da opacidade do meu texto é, seguramente, minha. E, por isso, é meu dever elementar procurar ser mais esclarecedor.

A primeira ideia que procurei transmitir foi a de que o seu texto era surpreendente, e a dois títulos. Era surpreendente, em primeiro lugar, porque dele resultava que o Pacheco Pereira tinha, efectivamente, lido o relatório do pluralismo político-partidário no serviço público de televisão. E era surpreendente, em segundo lugar, porque, desta feita, não o tinha varrido de uma penada, antes se percebendo, pela sua análise, que, de entre inúmeros defeitos, algumas virtudes tinha.

Ora, esta atitude contrastou, e de que maneira, com a leviandade com que este como outros documentos na ERC foram (não) tratados no espaço público e, especificamente, em espaços de opinião. Com efeito, vou verificando, volvidos três anos de existência da ERC, que começa a ser possível debater ideias, discutir projectos, apreciar modelos de avaliação provindos do regulador dos média. Esta é, a meu ver, uma evolução muito significativa (no sentido positivo, naturalmente), que me pareceu bem simbolizada no artigo que escreveu. Justificava-se, por isso, o elogio que lhe fiz – infelizmente, não compreendido.


Em segundo lugar, tentei realçar a utilidade e eficácia do relatório do pluralismo, que vão muito mais longe, do ponto de vista do escrutínio, do que os “estudos de caso” que continua a defender. Como já tive ocasião de lhe dizer, os estudos de caso que propõe são os seus casos, e, achando que devem ser realizados, cabe-lhe apresentar queixa, ou denunciá-los, junto da ERC. Por isso, se o Pacheco Pereira entende que não deve apresentar tais queixas, está no seu direito. Mas é no mínimo injusto e pouco fair criticar a ERC por não fazer tais “estudos” em concreto.
Depois, persiste num erro factual. Ao contrário do que afirma, a ERC já fez muitos “estudos de caso”, motivados por queixas de particulares, relativamente ao serviço público de televisão. É aliás evidente, para quem consultar o sítio da ERC, que a RTP foi objecto de mais “estudos de caso” (como lhes chama) do que qualquer outro operador privado (SIC ou TVI).

Em terceiro lugar, procurei realçar, no meu artigo, quanto a monitorização do serviço público que o Pacheco Pereira defende seria sufocante para o jornalismo. Se levássemos aos extremos que propõe a avaliação do cumprimento de obrigações de pluralismo e isenção a RTP, desapareceria qualquer liberdade editorial, morreria o essencial dos critérios jornalísticos, teríamos aquilo que a mim repugna à luz dos pilares elementares de um Estado de Direito democrático: um conjunto de robôs, de funcionários da informação, de apparatchiki das notícias. Ainda por cima, subordinados a critérios também eles subjectivos – os que V. desenhou, com pormenores e detalhe quase “maquiavélicos” (quem fala em discurso directo, como, e durante quanto tempo; quem é que desempenha mais frequentemente a função de comentador; quem critica, e porquê, etc.). Esse o motivo por que, pelos vistos num acto falhado de ironia, descrevi o que teríamos, doravante, a “Rádio e Televisão Pacheco Pereira, S.A.”: em meu entender, um pesadelo para quem acredita na liberdade.
Em quarto lugar, procurei acentuar como todo o seu raciocínio está, logo na base, inquinado por várias petições de princípio, por vários dogmas conceptuais que bloqueiam qualquer abordagem isenta.

Antes de prosseguir, esclareço – e acho que o meu artigo “incompreensível” terá podido ser compreendido nesse aspecto – que não lhe atribuo qualquer má fé ou intencionalidade suspeita quando defende o que defende. Apenas acredito que, por definição, o Pacheco Pereira não pode ter uma apreciação isenta destes assuntos. E isto, porquê?

Desde logo, é contra a existência de um serviço público de televisão. Entre outras razões que aqui não cabe discutir, porque considera que sempre se tratará de um meio subordinado ao poder político, qualquer que seja. Recordo, aliás, que exemplificou com duas duplas: José Sócrates e Santos Silva; Durão Barroso e Morais Sarmento.

Um pequeno aparte. Se Durão Barroso e Morais Sarmento controlaram assim tanto a informação da RTP (esclareço que não concordo, quer por razão mínima de objectividade, quer pelo que conheço de Morais Sarmento), não recordo que tenha denunciado tal facto, fosse de forma veemente (como agora faz), fosse de forma mais soft. Porquê?

De acordo com as suas convicções, não pode nunca haver jornalismo político isento na RTP. Mas, se assim é, não compreendo (agora sou eu a não compreender) como é que, com essa serenidade, passa um atestado de incompetência a tantos e tantos jornalistas da RTP. São todos maus? Os bons estão todos nos operadores privados? Não sendo todos vendidos, são, pelo menos, todos estúpidos? E como se explicará, então, que no recente estudo de recepção dos meios promovido pela ERC – de longe, o mais profundo e alargado alguma vez feito entre nós – as pessoas inquiridas tenham colocado a informação do serviço público em primeiro lugar – com os restantes operadores também bem cotados? Somos todos alienados?

Há outro aspecto que leva a que a nossa visão das coisas conduza a resultados diametralmente opostos, e também já lho disse de viva voz. O Pacheco Pereira é um pessimista visceral, para quem as pessoas e os profissionais são maus e suspeitos, até prova em contrário. Eu, acredito que as pessoas e os profissionais são bons, até prova em contrário. E, sobretudo, detesto as generalizações a partir de construções intelectuais – como, a meu ver, V. faz.

Finalmente, entendo que o Pacheco Pereira não pode ser objectivo nestes assuntos, por mais que tente e acredite (como sei que acredita) estar a sê-lo. É um actor político empenhado desde há muitos anos, e, recentemente, de forma mais interventiva. Essa a razão porque não tenho que rebater os exemplos que propôs, nem tenho que os confirmar. E não é legítimo que diga, ou dê a entender, que quem cala consente – ou não tem argumentos válidos que possa expor em contrário. A esfera em que argumenta é a do espaço público (quanto à forma de veicular a mensagem) e a do espaço político (quanto à natureza). Ao espaço público, vou; no espaço político, pelas funções que exerço, recuso-me – pelo menos, conscientemente – a ir. E suponho que aceitará esta minha posição.
Assim, em conclusão, posso sintetizar da forma seguinte.

Elogiei a circunstância de, pela primeira vez, ter enfrentado o desafio de ler e analisar o relatório sobre pluralismo, ainda por cima com inteligência e convicção. Expliquei, depois, por que motivo a análise que realizou, por definição, teria que ser truncada e parcial. E defendi, finalmente, que o modelo e critérios de fiscalização que propõe sufocariam qualquer jornalismo livre.


P.S. Um outro esclarecimento. Ao contrário do que supõe e afirma, a comparação entre a RTP, a SIC e a TVI já é feita pela ERC desde 2006. As questões que levantou – o peso comparado na informação dos três canais dos escândalos, das temáticas da justiça, de questões sociais, da saúde, da economia, etc. – podem ser analisadas desde então. Já agora, com resultados que, admito, poderão surpreendê-lo. Por isso, e ao contrário do que afirmava no seu artigo, eu não procurei antecipar quaisquer críticas quando referi, na introdução ao relatório do pluralismo, a divulgação, em breve, do relatório de regulação de 2008.
Espero, sinceramente, ter conseguido, desta feita, ser mais claro.

Um abraço,


Azeredo Lopes
ADENDA: Aqui fica a carta para cada um julgar por si. Do artigo, da resposta ao artigo e da carta. Como penso que cada texto vale por si, não vale a pena acrescentar muita coisa. Esta discussão continuará certamente, embora continue a achar que Azeredo Lopes não contesta verdadeiramente nenhum dos meus argumentos.

Duas notas: uma de fundo, outra de circunstância. A de fundo tem a ver com a ideia que a intervenção política implica uma capitis diminutio da opinião, e a sua redução a algo que torna "suspeita" a intervenção no espaço público. Haveria muito a dizer sobre isto, mas o que acontece é que este tipo de "argumento" serve para não ouvir os argumentos do outro e para o menorizar no debate público, o que, do meu ponto de vista, representa um entendimento perverso do espaço público entre os "puros" e os "impuros" ("por definição, o Pacheco Pereira não pode ter uma apreciação isenta destes assuntos"). Por definição.

Se é assim o mesmo aplica-se também a Azeredo Lopes que não está à frente de uma instituição neutra, mas de uma entidade que representa uma certa concepção da relação entre o governo, o estado e os órgãos de comunicação social que é política (e mesmo partidária) até à medula. Se não concordasse com essa concepção, presumo que não estaria lá, porque não é um mero funcionário público. Por isso, não troco a minha intencionalidade política, que corresponde ao que penso e é da própria natureza da opinião, por um discurso tão intencional como o meu, só que escondido por detrás de uma aparente neutralidade institucional. Nenhum de nós está a falar de matemática pura, pois não? E mesmo a matemática pura...

Há apenas uma afirmação de Azeredo Lopes que não é factualmente correcta a propósito de não se lembrar de eu ter feito críticas à televisão Barroso - Morais Sarmento ("não recordo que tenha denunciado tal facto, fosse de forma veemente (como agora faz), fosse de forma mais soft"). Está pouco "lembrado". Azeredo Lopes devia saber que este tipo de contradições não colhem comigo. Na verdade, fui muito crítico do abandono do programa inicial do Governo Durão Barroso, que implicava caminhar a favor de privatização do canal 1 e da manutenção apenas do canal 2, que, quando começou a ser contestada, inclusive na rua, levou a uma reviravolta que fez do governo PSD - PP um dos mais estatistas quanto à comunicação pública. Não é por acaso que Santos Silva cita Morais Sarmento positivamente quanto à RTP. E, quanto aos casos, a minha denúncia está a público por todo o lado, desde a chamada "central de comunicação", à manipulação de notícias, etc.

E quanto à economia da veemência ou à falta dela, há uma diferença abissal entre os tempos de 2003-4 e os de 2005-9: é que então não faltavam críticas e agora abundam os silêncios. E mais: os manipuladores de 2003-4 são completos amadores em relação com os de 2005-9. O mecanismo de manipulação é o mesmo - a cadeia de comando dos órgãos de comunicação social pública - mas a eficácia da manipulação é totalmente diferente.

*

Posteriormente a estas notas recebi uma nova carta de Azeredo Lopes que reproduzo aqui:
Caro Pacheco Pereira,

Duas breves notas, prometendo não o tornar a maçar. Em primeiro lugar, o facto de afirmar – e aqui manter – que a sua opinião não pode ser imparcial não a desqualifica nem muito menos a transforma em impura, por confronto com quaisquer outras. A sua apreciação, por conseguinte, é eficaz, mas não reflecte nem o que eu disse, nem o que eu penso. E está enganado se pensa que coloco a minha opinião no plano da “pureza”, só porque exerço funções na ERC. Simplesmente, o relatório do pluralismo não exprime a minha “opinião” individual, reflecte, antes, um trabalho técnico que, como poderá imaginar, não fui eu a realizar. Mas relativamente ao qual ponho as mãos no fogo do ponto de vista da independência e da competência técnica. Por isso, não estão em putativo “confronto” o seu diagnóstico (que considera factual) e o meu. Pela simples razão de que eu estou, ao contrário de si, seguramente mais liberto da simples
percepção individual.

Em segundo lugar, e relativamente às críticas que V. possa ter feito no “tempo” de Morais Sarmento: não sabia e, se porventura soube, não o tinha presente. Por isso, retiro, naturalmente, o reparo crítico que fiz de boa fé, apresentando-lhe, quanto a esse ponto, as minhas desculpas.

Um abraço,

Azeredo Lopes

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