ÍNDICE DO SITUACIONISMO (100): SEMPRE QUE SE GANHA PERDE-SE
A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração. E, nalguns casos, de respiração assistida.
Na semana em que a suspensão das grandes obras públicas se concretizou, como fora exigido por Manuela Ferreira Leite, antes das eleições, e Paulo Rangel na noite das eleições; na semana em que um manifesto de economistas independentes, do PS e do PSD, reproduz as preocupações que, há mais de um ano, Manuela Ferreira Leite expressou sobre os investimentos megalómanos que estavam a ser prometidos com o país endividado, o Expresso entende que Manuela Ferreira Leite deve ficar em baixo por isso mesmo. Em vez de premiar ou castigar o que acontecera na semana anterior baseado nos resultados, Manuela Ferreira Leite é castigada pelo "problema" que os resultados irão trazer no futuro. É um bocado como se Manuela Ferreira Leite tivesse ganho as eleições legislativas e tivesse a sua seta para baixo pelos "problemas" que vai ter como Primeiro-ministro. Mas, é assim que se fazem as coisas...
*
Outra do mesmo Expresso é esta apologia do novo porta-voz do PS, de que aqui coloco apenas a introdução, porque o resto do artigo é puramente apologético e bem podia ter sido feito por uma agência de imagem. Claro que o jornalista esqueceu-se daquilo que Filipe Nunes Vicente lembrou no Mar Salgado: este é o homem que entendia que escrituras públicas eram afinal privadas. É como se tudo isto fosse feito na base do conhecimento próximo e das opiniões de meia dúzia de pessoas do PS, que inclui jornalistas e ex-jornalistas, hoje assessores ligados a António Costa, sem nenhuma consulta a arquivo, sem qualquer memória seja lá do que for. Até a promoção "geracional", um mecanismo que tem escapado à análise, e que tem a ver com a competição política no interior dos partidos por carreiras e lugares, lá vem en passant. O resultado é que a personagem torna-se a "imagem" que se quer dele dar e não um agente político concreto, com actos e comportamentos já conhecidos.
*
Veja o que encontrei aqui neste blog e que o autor intitula "Pérolas da imprensa de referência" e que inclui a manipulação pelo jornal do título da entrevista de Menezes e outros exemplos, todos do mesmo dia:
Quem tem princípios passa fome...
Cinco pormenores de sábado. O jornal i entrevista Luís Filipe Menezes. Eis a capa. Como vêem, o título é uma citação da entrevista: "Pacheco Pereira é a loira do PSD". O leitor abre o jornal e a tal citação é "ligeiramente" diferente... Ei-la. ("Pacheco Pereira é a loira do regime.")
Já o Diário de Notícias tinha como manchete um tema do caso Freeport: "Ex-presidente do ICN arguido por corrupção". E lia-se no texto (ainda na primeira página): "Ao DN, Carlos Guerra recusou a existência de qualquer tratamento especial à aprovação do outlet de Alcochete."
Fica-se com a ideia de que o DN é tão bom que traz a notícia e ainda declarações do visado. Vamos lá, então, comprar o jornal! Mas, afinal, vai-se a ler lá dentro (pág. 6) e as tais declarações de Carlos Guerra eram de... Janeiro. Têm seis meses.
Repare-se agora numa "notícia" do Expresso sobre o novo porta-voz do PS, João Tiago Silveira. Eis alguns dos termos da "noticia" escritos pelo próprio jornalista: - "uma lufada de ar fresco" - "tome nota deste nome, porque vai ouvir falar dele muitas vezes..." - "brilhante aluno de Direito" - "foi genericamente bem recebido pelas hostes socialistas" - "Sócrates precisa de renovar, com qualidade..."
Eu não conheço pessoal ou profissionalmente João Tiago Silveira, mas, por defeito de profissão, fico sempre cá com uma pulga atrás da orelha com estas "notícias" tão simpáticas...
Ainda no Expresso, na pág. 6. Título: "É um disparate falar de AD nesta altura". Foto: Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas. Pós-título: "Líder do PSD proíbe conversas sobre coligações até às eleições. Portas também não garante estar interessado."
Vai-se a ler o texto e afinal a frase do título não é dita por Ferreira Leite ao Expresso. Afinal, Ferreira Leite "terá concordado com dirigentes do PSD para quem 'falar de AD nesta altura é um disparate'".
Chamo a atenção do "terá". É uma hipótese. Até pode ter dito, mas o jornal não diz que ela disse, até põe o verbo no condicional ("terá") e não identifica fontes para sustentar uma notícia, que, no fundo, é de pura análise política de bastidores feita pelos dois jornalistas que assinam.
Nada contra, se as fontes são boas. Não enganem é o leitor com uma frase no título que nem o jornal sabe se "terá" sido dita...
Ainda no Expresso na pág. 33. Jaime Nina, coordenador do Departamento de Doenças Infecciosas do Instituto Ricardo Jorge, fala ao jornal sobre a gripe suína: "A pandemia virá entre Outubro e Janeiro e DEVERÁ ATINGIR 10 a 25% da população.
Título do Expresso: "Infecção VAI ATINGIR até 25% dos portugueses"
Bom, isto são só cinco exemplos, de um dia apenas. Podia fazer um blog só com estas pérolas da imprensa de referência. E os outros é que são sensacionalistas e tablóides...
(Pedro M. Silveira)
*
Curiosa, essa sua referência à promoção “geracional”. Veio substanciar uma impressão que se me vinha ultimamente a acumular resultante de alguns factos avulsos que, se calhar, não são avulsos.
É o caso, por exemplo, da longa entrevista feita ontem pelo Público ao novo “coordenador do programa com Carnegie-Mellon”, um jovem brilhante de 36 anos, certamente cheio de entusiasmo e energia mas que, sobre o “espírito avançado” do que se faz “lá fora” em matéria de I&D afirma deslumbrado o que nós, mais velhos, já sabemos há muito e que nunca conseguimos entrosar com a nossa realidade nacional – e ele a manifestar o entusiasmo de quem nem sequer ainda se deu conta desse problema!...
É o caso semelhante, também, de outro jovem brilhante mais ou menos da mesma idade que começou a trabalhar comigo há 20 anos como bolseiro de investigação, ainda aluno de licenciatura, que foi depois comigo para a indústria nacional desenvolver uma linha de produtos pioneiros de alta tecnologia, mas que agora foi convidado para um alto cargo estatal de administração de subsídios (graças a boas ligações familiares) e que me atirou, ao ir, e com sobranceria, que “era tempo de os mais novos terem a sua oportunidade” porque “os mais velhos nunca tinham feito nada por este país”!...
E sabe que me lembra tudo isto? Deve ser por eu começar a ser um velho cheio de memórias, mas lembra-me a limpeza por Estaline de toda a velha guarda bolchevique delegada ao Congresso em que Kirov brilhara, e a sua substituição por “jovens operário e camponeses libertos de todos os vícios”…
Ou a mobilização da Guarda Vermelha por Mao para “limpar” Liu Shao Shi e os outros “degenerados revisionistas”.
Não por causa dos métodos assassinos, claro, mas pelo mesmo argumento de que os “jovens” vêem sem os vícios da velha guarda e de como essa ideia apenas esconde a busca do poder incontestado.