ABRUPTO

26.6.09


COISAS DA SÁBADO: O SENHOR VALDEMAR E O GOVERNO MORIBUNDO

O estado do governo faz-me lembrar uma história sinistra de Edgar Allan Poe, o estranho “caso do senhor Valdemar”, o homem hipnotizado quando morria e que ficou assim uns tempos - morto, mas “mesmerizado”. É como está o nosso governo do engenheiro José Sócrates.

Já escrevi várias vezes que, de há algum tempo para cá, não havia verdadeiro governo em Portugal. As pessoas podiam não o perceber, mas os ministros tinham emigrado para a Terra de Oz onde se dedicavam à propaganda, uma forma moderna de magia. A crise de fora acelerou esta fuga dos gabinetes para as sessões de inaugurações (poucas, muito poucas), de realizações das empresas (algumas) e para as de promessas (muitas). Mas hoje trata-se de ir mais longe e verificar que já não é o estado de ausência que impera no governo, é a morte acelerada dos seus ministros.

O ministro Mário Lino, honra lhe seja feita, mostrou pela primeira vez que está farto que lhe digam para “andar com as coisas” e depois para “parar com as coisas”. Numa entrevista disse que já estava “velho demais” para estar no governo, um desabafo fácil de traduzir em mais vernáculo por um “estou farto de ser usado”, “estou farto de ser enganado”. Pois, deve estar.
Nas escolas também está tudo bloqueado. Prosseguem as burocracias da avaliação, mas não prossegue a avaliação, Nem podia ser de outro modo. Depois de o Primeiro-ministro admitir que um dos seus raríssimos erros foi na avaliação dos professores, já não há autoridade para fazer coisa nenhuma. Está tudo à espera que Godot não apareça.

A bizarra afirmação sobre a falta de apoio à cultura, também mostra que o Ministério e o ministro estão mortos, o que já não é de agora, só que o Primeiro-ministro veio explicar a causa da morte. Não importa que não seja assim, mas o diagnóstico não deixa margem para dúvidas. Outro que jaz morto.

E por aí diante, o governo parece-se cada vez mais com o senhor Valdemar da história de Edgar Allan Poe. Acabou o efeito do hipnotismo, avança a cadaverina e a putrescina, coisas pouco amáveis. Como diz o tenebroso autor: “upon the bed, before the whole company, there lay a nearly liquid mass of loathsome—of detestable putrescence.”

*

Se não me engano, assistimos ontem, ao vivo e a cores, à quebra do transe hipnótico e a subsequente decomposição acelerada do Ministro da Agricultura que desmentia calmamente a versão do Primeiro Ministro (muito provavelmente por estar fora do circuito há muito tempo) acerca do senhor que foi constituído arguido no caso Freeport. Seria de esperar que, pelo menos, combinassem primeiro as histórias. Só é pena que, num país onde a comunicação social foi obliterada pela morte do Michael Jackson, este episódio grotesco já esteja esquecido.

(João Soares)

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© José Pacheco Pereira
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