ABRUPTO

1.2.09


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA (2)



Ponhamos o exemplo da culpa, onde a não pode haver. Pôs Deus a Adão no Paraíso, com jurisdição e poder sobre todos os viventes, e com senhorio absoluto de todas as coisas criadas, excepta somente uma árvore. Faltavam-lhe poucas letras a Adão para ladrão, e ao fruto para furto não lhe faltava nenhuma. Enfim, ele e sua mulher — que muitas vezes são as terceiras — aquela só coisa que havia no mundo que não fosse sua, essa roubaram. Já temos a Adão eleito, já o temos com ofício, já o temos ladrão. E quem foi o que pagou o furto? Caso sobre todos admirável! Pagou o furto quem elegeu e quem deu o ofício ao ladrão. Quem elegeu e quem deu o ofício a Adão foi Deus: e Deus foi o que pagou o furto tanto à sua custa, como sabemos. O mesmo Deus o disse assim, referindo o muito que lhe custara a satisfação do furto e dos danos dele: Quae non rapui, tunc exolvebam . Vistes o corpo humano de que me vesti, sendo Deus; vistes o muito que padeci, vistes o sangue que derramei, vistes a morte a que fui condenado, entre ladrões. Pois, então, e com tudo isso, pagava o que não furtei. Adão foi o que furtou, e eu o que paguei: Quae non rapui, tunc exolvebam.

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© José Pacheco Pereira
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