ABRUPTO

29.1.09


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PARA ENTENDER O CASO FREEPORT



(1)

Vou-lhe explicar, com um exemplo paralelo, para que serve alterar uma lei à posteriori de um facto que fica legitimado por ela.

O fisco, em 2008, e relativamente às declarações de rendimentos de 2007, decidiu assumir uma interpretação do código do IRS que o viola. Concretamente, o nº 6 do artº. 28, que estipula em que condições um profissional liberal deixa de se enquadrar no Regime Simplificado, e passa a ter de ter Contabilidade Organizada. Segundo esse artigo, a tal mudança de enquadramento contabilístico acontece se se ultrapassar determinado limite de rendimento por dois anos consecutivos.

Ora o fisco (Direcção de IRS) acha que basta que o aludido limite de rendimento seja ultrapassado uma única vez para que a mudança de enquadramento se verifique, se o ano em que isso ocorrer tiver sido 2006. Baseia-se para isso na invocação de argumentos administrativos.

O resultado desta interpretação é poder o fisco aplicar a taxa de IRS à totalidade dos rendimentos de 2007, sem possibilidade de dedução de despesas, que no Regime Simplificado eram assumidas, sem necessidade de registo, como tendo sido de 30%. Ou seja, supondo que a taxa de IRS a aplicar seja de 42%, com esta interpretação o fisco candidata-se a 42% dos rendimentos auferidos, e não aos 42% de 70% (29.4%) a que teria direito por lei.

Acontece que não haverá muita gente nesta situação, mas alguns dos que há são fiscalistas conceituados e influentes (talvez eu seja o único engenheiro nessa situação). Tanto quanto sei, também, eu serei talvez o único que decidiu afrontar o Estado pelas vias legais. Os fiscalistas, e porque, como já aprendi, não querem cair em desgraça perante o Estado que é o seu principal cliente e/ou padrinho, optaram por outras vias, mais de corredor. E entre essas vias, está uma subtil alteração ao texto do tal nº 6 do artº 28 do código do IRS contida no OE de 2009 recentemente aprovado.

Essa alteração, provavelmente inspirada por algum dos tais fiscalistas e talvez até sem consciência dos governantes que mandam no fisco, acrescenta, ao texto pré-existente, uma só palavra: “apenas”. Fica, portanto, legislado que a tal mudança de enquadramento contabilístico acontece apenas se se ultrapassar determinado limite de rendimento por dois anos consecutivos. O que resolve definitivamente a querela com o fisco.

Simplesmente, esta nova redacção da lei só é válida para 2009 e futuro. Qual o interesse, então, para os casos passados em anos anteriores? É aqui que o caso tem uma semelhança formal com o da aprovação da alteração dos limites da zona protegida de Alcochete.

Como me explicou o meu advogado, o interesse desta nova redacção da lei é que, perante uma discussão em Tribunal de qual a interpretação adequada da lei existente antes de 2009, havendo dúvidas a invocação da redacção posterior serve como clarificação do significado eventualmente ambíguo do que estava escrito antes. E, portanto, desta forma, uma lei posterior a determinado acto pode acabar por ser aplicada a esse acto.

(2)

Já agora, e para que o paralelismo fique absolutamente claro: a razão invocada para a lei que alterou a zona protegida de Alcochete é que a definição dos limites anteriores continha “erros técnicos e imprecisões”.

Imagine que alguém (a Quercus, por exemplo), vinha a processar os proprietários do empreendimento, com base em que parte deste (a tal zona A) violava os limites da zona protegida. Estes invocariam que isso era uma questão de interpretação de quais eram esses limites, e diriam que os vigentes na altura eram ambíguos por conterem “erros técnicos e imprecisões”, e que a sua interpretação era a de que o empreendimento estava todo fora dos limites. Aliás, só uma parte estava em causa, a “zona A”…

A Quercus diria que a sua interpretação era a contrária, mas não poderia negar que havia “erros técnicos e imprecisões” na lei anterior. Como resolver então a ambiguidade criada por tais erros, sobre a existência dos quais haveria consenso?

Invocando precisamente a lei que os corrigira e que, por acaso, claramente incluiu a tal zona A do empreendimento fora da zona protegida…

(José Luís Pinto de Sá)

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