ABRUPTO

17.11.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O TUMULTO DAS ESCOLAS







(Emanuel Ferreira)

Sou professor há cerca de 18 anos. Nas escolas por onde passei sempre tive a sorte de encontrar colegas verdadeiramente empenhados, gente que vivia a escola de uma forma espontânea. Na escola, apesar de todas as dificuldades inerentes ao facto de se lidar com crianças e jovens com múltiplas vivências e carências, respirava-se um ambiente sadio. O relacionamento entre os elementos da comunidade escolar acontecia com naturalidade, embora com conflitos próprios desse espaço.

(...) hoje a escola pública portuguesa está em profunda crise. A sala de professores, outrora local de jovialidade, de descontracção e convívio, está transformada num refúgio onde nos recolhemos, quase sempre em silêncio. O medo tomou conta de muitas escolas. Medo puro, antigo... daquele que o meu pai falava, antes do 25 de Abril. As escolas (algumas escolas) e as estruturas do Ministério da Educação rodearam-se de "cães de fila", daqueles prontos a denunciar os próprios colegas, alguns de há décadas. Solidariedade é palavra vã.

Esta revolta que nos atira para a rua, mesmo aqueles que nunca lá andaram, é profunda. A avaliação é uma falsa questão. A divisão da carreira em duas categorias criou feridas fundas e dolorosas nas escolas. As injustiças cometidas no acesso a titular foram flagrantes e provocaram humilhações brutais. Hoje temos um conjunto de professores titulares, professores como nós, que sempre fizeram o que nós fazíamos, que conhecemos perfeitamente e a quem ninguém lhes reconhece especiais competências na avaliação dos seus pares. Os próprios colegas titulares (com excepção dos tais "cães de fila", prontinhos para afiar os dentes nos colegas) sentem que é uma imoralidade o que se lhes pede e recusam esse papel. Uma boa parte dos que desceram à rua eram titulares! Somos professores e não inspectores.

(...) a política desta equipa ministerial é um rotundo fracasso. A desmotivação tomou conta dos docentes como nunca se viu. Colegas que eu aprendi a respeitar e que serviram de modelo quando comecei a trabalhar estão a desistir, a atirar a toalha ao chão. Ficam os que não têm como sair. A essência desta "reforma" assenta na criação, perfeitamente artificial, nunca sentida nas escolas, de uma categoria de professores a quem se paga razoavelmente, para impedir que os restantes (70%) não progridam. É esta a essência da reforma. É isto que nos choca e nos leva para as ruas. A nossa carreira foi a mais duramente atacada por este Governo. A desvalorização da carreira é evidente, provocando desalento e revolta pelas falsas expectativas criadas. Toda a sociedade já percebeu essa desvalorização, daí o aumento de agressões e insultos a professores por parte de alunos e pais. O Governo conseguiu humilhar-nos perante todos e nunca defendeu os seus professores. O Governo deu-nos uma bofetada! Não nos peçam a outra face!

Luís Teixeira

*



Tive dificuldade em arranjar um espaço para a sessão de lançamento do livro, quer um espaço cedido gratuitamente, nas bibliotecas municipais, quer um espaço escolar alugado. Esta é, pois, uma história que tem duas partes. Comecemos pela que se refere às autarquias.

Biblioteca Municipal Florbela Espanca, Matosinhos

6 de Outubro – Na Biblioteca informam-me que é possível utilizar o Auditório, uma vez que, para a data prevista para a sessão de lançamento do livro (25 de Outubro), ele se encontra desocupado, assim como para todas as Sextas-Feiras à noite, Sábados e Domingos de todo o mês de Outubro. Preenchi, de imediato, uma «ficha de reserva do auditório» e um «termo de responsabilidade» pela utilização da sala.

No dia seguinte entrego, na CMM, o requerimento, entretanto exigido. Refiro o nome do livro e junto uma cópia da capa e da contracapa. Os dias passam e não há meio de a resposta chegar. O que parecia simples e adquirido torna-se cada vez mais difícil. Várias vezes me dirijo à CMM e à Biblioteca. O vereador tem o requerimento com ele, mas não dá andamento ao assunto. Finalmente, depois de muito pressionar obtenho resposta: foi marcada, por ordem superior, uma actividade exactamente para o dia e hora que eu pretendia, o que, atendendo ao mapa de disponibilidades do auditório, não deixa de ser uma estranha, mas possível coincidência.

Verbalmente é-me sugerido que apresente o livro para ser examinado. Penso, entristecido, nos exames prévios da ditadura fascista. Repudio a afronta. Percebo que nunca terei autorização para realizar a apresentação do livro naquele espaço de cultura que deveria ser de todos. No entanto, entrego, imediatamente, logo nesse mesmo dia, 17 de Outubro, novo requerimento pedindo a cedência da sala para dia 24, 25 ou 26, durante os períodos em que o Auditório permanece desocupado. Junto fotocópia do índice. Por ele se percebe que teço críticas ao governo; há mesmo um capítulo intitulado «O Autoritarismo Governamental».

A resposta nunca chegou: o Auditório permaneceu inutilizado, vazio e silencioso todas as noites de Sexta-Feira, todos os Sábados e Domingos desse mês de Outubro, excepto das 14:00 às 17:30 do dia 25, em que se realizou uma acção de formação “Como Conservar os Nossos Têxteis”. Desocupados permanecem, igualmente, outros espaços alternativos geridos pela Câmara.

Poderá tudo isto ser apenas insensibilidade e incompreensão para com um acto de cultura que um lançamento de um livro inegavelmente constitui? Mas essa falta de sensibilidade e de compreensão é do responsável camarário pela Cultura. Poderá essa atitude ter outro nome que não seja incompetência?

Nem por acaso: na revista da CMM esse mesmo vereador afirma-se «Desgostoso com o rumo do jornalismo português, onde a ética e a deontologia ficavam cada vez mais guardadas na gaveta». Mais adiante afirma que «transformou o panorama cultural de Matosinhos, apostando na qualidade, no rigor e no respeito pelo público» e que foi vereador da Educação: uma pasta «de que gostei muito». Defende que «tem de haver qualidade e rigor», que «não há nem pode haver cedências à mediocridade», que a «Biblioteca Florbela Espanca é exemplar a nível nacional.» e que «Nós não procuramos fazer nem diferente, nem melhor. Procuramos fazer bem.» (Matosinhos, revista n.º 17, Outubro de 2008, pág. 4-6).

A incompetência não é razão suficiente para explicar o sucedido.

Fica a pairar no ar a atitude antidemocrática e censória que se exerce sobre um livro de que apenas se conhece a capa, a contracapa e o índice. Repare-se: o critério da qualidade do livro, critério legítimo a ter em conta, nem sequer pôde ser praticado. Foi substituído – tudo faz supor – pelo critério da existência de críticas ao XVII Governo, democrático, de maioria absoluta do PS: P de partido; S de socialista; d de democracia. O agente censório é o vereador da Cultura que se assume como paladino da ética e da deontologia!

Cada vez se torna mais evidente que, segundo a visão «democrática» do responsável pela Cultura da CMM, não serei autorizado a utilizar um espaço público camarário porque não apoio o partido a que o vereador pertence.

(...) A 3 de Novembro entrego novo requerimento solicitando esclarecimentos adequados sobre o facto de não ter sido autorizado a utilizar o Auditório da Biblioteca Municipal de Matosinhos quando ele permaneceu desocupado. A história ainda não foi dada por encerrada.


Biblioteca Almeida Garrett (CM do Porto)

O pedido é feito e imediatamente tratado. Não há disponibilidade para a data pretendida. A hipótese de ter havido uma desistência é verificada. Em quinze minutos obtenho resposta. Sou bem atendido, com eficiência e profissionalismo, ou seja, o meu pedido é tratado de forma correcta, o que merece o meu reconhecimento. Explico de outra forma: o profissionalismo e a correcção são tão raros que merecem uma distinção elogiosa. O que deveria ser banal, sem direito a nenhuma referência, por ser o tratamento esperado é, cada vez mais, uma raridade. O tratamento incorrecto, que assume formas de maior ou menor corrupção é tão vulgarizado que se torna a regra geral. Não é uma clara e perigosa inversão de valores que mostra, à evidência, a podridão contaminante que a nossa passividade ou indiferença permitem e de que muitos se alimentam?

Escola Secundária do Padrão da Légua

O Conselho Executivo não autoriza o aluguer das instalações para a sessão de lançamento do livro. É claramente afirmado – verbalmente – que a razão da não autorização está no título e no que se afirma na contracapa do livro.

A 22 de Outubro entrego dois requerimentos pedindo para colocar, na Sala dos Professores, um cartaz e alguns pequenos folhetos anunciando a sessão de lançamento do livro, entretanto marcada para o dia 25, na Escola Secundária Augusto Gomes, em Matosinhos. Cinicamente, as autorizações chegaram, por correio electrónico, no dia 27. Requeiro autorização para afixar essas mensagens, juntamente com o cartaz e os folhetos. Não obtenho resposta.

Escola Secundária da Senhora da Hora

22 de Outubro: uma professora obtém autorização, de um elemento do Conselho Executivo, para colocar na Sala dos Professores umas pequenas tiras de papel anunciando a sessão de lançamento do livro. Nelas figuram o título e um extracto do que vem na contracapa. Alguns minutos depois o Vice-presidente desse mesmo órgão que tinha autorizado a colocação da informação vai ao encontro da professora dizendo que ela não tinha autorização para colocar «aquilo» na escola, nem sequer para estar naquele espaço e que estava a invadir as instalações. Ordenou que se retirasse, imediatamente.

(...)

(Carlos Paiva)

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