Sigo com atenção a Quadratura do Círculo e por isso gostaria de, depois de o felicitar, dizer que apreciei o plano em que situou a sua análise do “caso Magalhães”.
De facto tambem acho, modestamente, que a eventual desadequação do PC aos seus propósitos ou as irregularidades administrativas da sua aquisição, apesar de graves, são políticamente irrelevantes quando comparadas com a indiferença do “public eye” dos portugueses.
Sempre achei que a acção política se desenvolve entre nós segundo aquilo que costumo designar pelo “Paradigma do Baú”. Ela parte de duas premissas.
Uma, é a de que existe um baú cheio de dinheiro que pertence “aos portugueses”.
Outra, é a de que há umas pessoas más que se sentam em cima do baú ( uma de cada vez, entenda-se) e não deixam “os portugueses” beneficiarem de uma situação de conforto a que têm direito, à semelhança do que acontece em países como a Dinamarca, a Suécia ou a Alemanha.
Destas duas permissas decorre a existência de uma oposição cujos líderes propõem uma coisa óbvia: dêem- nos o poder, e nós retiraremos o malandro que está em cima do baú e distribuiremos um bocadinho a cada um.
A análise das várias fases deste processo percorre, do meu ponto de vista, toda a politologia com interesse para os portugueses.
Julgo que o conceito do baú é consequência do facto de a riqueza nacional, desde o sec XV, vir de fora; da India, depois de África , do Brasil e agora da Comunidade Europeia.
Enquanto noutras nações, como é o caso notório dos Estados Unidos, as pessoas entendem que a distribuição da riqueza deve estar de algum modo ligada à utilidade social de cada cidadão, (a avaliação do que designei sumàriamente por “utilidade social” é evidentemente um tema político maior), entre nós permanece uma questão obscura. A Universidade, durante séculos, serviu razoavelmente como filtro para esse acesso.
Depois, a razão pela qual a personalidade que está em cima do baú teima em não abrir a tampa tambem nunca foi objecto de grande investigação. É atribuída a uma perversidade inexplicável.
Quanto ao reabastecimento do baú, avançam os demagogos em caso de necessidade, com uma ideia simples: deve ser um encargo dos ricos, é claro.
Para resumir e não o entediar muito, direi que considero que o facto de os portugueses persistirem em não se sentir responsáveis pelo seu próprio destino é por ventura a razão fundamental do seu atrazo. E acrescento que todo o discurso que alimenta essa irresponsabilidade é reaccionário, mesmo que, como é regra, venha da chamada “esquerda”.
Tem havido, na nossa história recente, pessoas cujo carisma as torna vítimas fáceis deste processo e um inestimável trunfo para as oposições. Penso por exemplo em Salazar, em Cavaco Silva e agora, em Sócrates.
Será que a distribuição dos Magalhães não terá sido em legítima defesa? O dinheiro, como Você muito bem assinalou, veio do baú.
(Luiz Miguel Alcide d´Oliveira.)
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Ando aqui às voltas há uns dias, a matar a cabeça com um problema que nem entendo bem. Um daqueles problemas difusos e escorregadios como uma enguia, que sempre que parece que já o conseguimos rodear ele escapa-se por entre as mãos.
Refiro-me a essa brilhante concepção do Min. Educação (ME) de evitar a retenção dos alunos tornando a retenção "desnecessária". Ao início, eu pensava que seria a velha política do "baixar a bitola" que resulta tão bem nas estatísticas. Baixe-se o nível de exigência e tudo passa. Pronto, essa lógica percebo. Mas aqui há algo de estranho; porque eles não estão a baixar a bitola, eles estão a dizer:
- a retenção dos alunos é uma acção que deriva da sua incpacidade e que traduz um insucesso;
- isto é mau, não só porque este insucesso tem tendência a gerar mais insucesso, mas também porque as retenções tornaram-se a medida do sucesso, o sítio onde se vai avaliar o sucesso da educação;
- por todas estas razões é preciso acabar com a retenção;
(e aqui é que está o busílis, é que a lógica seguida até agora seria a de que apenas teríamos que eliminar a figura da retenção de uma vez por todas justificando-a com ser contraproducente, e assim nos primeiros anos toda a gente passa porque é melhor passar, mesmo que não saiba ler, ou então baixar a bitola de modo a que de qualquer maneira toda a gente passe de ano. Mas não é isso, parece-me que se fez um "upgrade" nesta lógica)
- acabar com a retenção significa não apenas acabar com a figura, porque isso geraria os usuais protestos de "facilitismo"; se a retenção é necessária como consequência, tradução, e correcção do insucesso, então e se acabássemos com o insucesso?? É que, repare-se, se não houver insucesso, eles não têm de ficar retidos(!) E mais, se isto for feito da maneira certa, "retenção" vai deixar de ser um conceito necessário, vai simplesmente deixar de existir.
- O que é então necessário para acabar com o insucesso (de modo a eliminar o conceito de "retenção")? Simplesmente, é preciso trabalhar pelo seu oposto, isto é, quanto mais os alunos tiverem sucesso, mais desaparece o insucesso, mais pequenina e desprezível ficará a ideia da retenção, que mais cedo ou mais tarde será ligada a algumas práticas retrógradas de educação - como a chibata ou o chapéu de burro - e lentamente morrerá o conceito de "retenção", tal como o telemóvel fez morrer o conceito de "pager". Vamos então dizer às escolas mais ou menos isto, "a partir de agora as escolas devem fazer tudo o que for necessário para que o aluno tenha sucesso; isto não significa passar o aluno, significa que ele tem de ter um sucesso correspondente a um saber efectivo, aferível e duradouro".
Há algo aqui que me faz uma confusão dos diabos, mas que não consigo bem descrever. E depois, lembrei-me que este novo tipo de lógica pode ser aplicado em mais coisas:
- o estado da Saúde em Portugal tem várias medidas de performance, uma delas são as listas de espera. As listas de espera são um mal necessário, mas que ainda por cima parece que se auto-alimenta; é necessário então deixar de ter listas de espera. As listas são consequência de uma falta de capacidade do sistema de saúde para dar vazão às solicitações. Para acabar com as listas de espera - efectivamente e conceptualmente - é necessário eliminar o que as causa, ou seja, é necessário ouvir, tratar, curar os doentes. Os hospitais são assim a partir de agora incentivados a dar o seu máximo no sentido de curar os doentes, e desse modo tornar o conceito "lista de espera" algo de arcaico e que não tem lugar numa sociedade moderna como a nossa (!)
- o desemprego não é apenas um fenómeno social e um estado individual, conceptualmente é entendido como uma medida da performance do governo na economia. Há assim que baixar o índice de desemprego e torná-lo tão irrisório que o conceito seja desprezado. Para baixar o índice de desemprego concluiu-se que a melhor forma é ter uma alta percentagem da população activa empregada, o que será possível se o tecido económico possuir um grande número de empresas que ofereçam emprego, entrando-se depois num círculo virtuoso. Assim, os ministérios da Economia, Finanças e Trabalho são aconselhados a porem em prática políticas de aumento do emprego, de modo a tornar o índice de desemprego uma medida inútil e retrógrada numa sociedade moderna como a nossa.