ABRUPTO

4.10.08


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: UM JACOBINO AMERICANO

Christopher Hitchens, Thomas Jefferson, Harper Collins Publishers, 2005

Este livro é uma desilusão: nem é uma biografia, nem um estudo do pensamento e acção política de Jefferson. É um pouco de tudo isto, numa espécie de ensaio biográfico, mas o resultado é muito insatisfatório. No seu tom deliberadamente underrated, consegue a proeza de tornar a figura de Jefferson bastante menos interessante do que ela é, não se percebendo sequer se, ao autor, o homem é simpático ou antipático, um claro óbice para trabalhos deste género que necessitam sempre de "empatia" weberiana para se tornarem interessantes e dizerem-nos alguma coisa, concordemos ou não.

É evidente que Jefferson é daqueles homens excepcionais que, de vez em quando, a história "faz", colocando-os no lugar certo na altura certa. Mas, no livro de Hitchens, ele parece estar sempre a fazer as coisas en passant, como se nada tivesse com elas, mesmo quando essas coisas incluem escrever alguns dos documentos fundadores dos EUA, e ter dado ao novo país a sua dimensão continental através da compra da Luisiana e das expedições de exploração em direcção ao Oeste. Já as páginas de Hitchens são mais interessantes ao retratarem as simpatias pela Revolução Francesa e mesmo pelo seu período de terror jacobino, fundadas no explicito republicanismo de Jefferson e no seu menos explícito, mas evidente, agnosticismo ou até ateísmo. O bibliófilo Jefferson, que ofereceu (vendeu) a primeira colecção de livros a sério que deu origem à Biblioteca do Congresso, organizava-os em três secções, "memory", "understanding" e "imagination", e incluía a Bíblia na história antiga...

Outro dos temas obrigatórios do livro de Hitchens é a questão da escravatura e das hesitações que o iluminista Jefferson, dono de escravos e que viveu com uma escrava Sally de quem teve filhos, sabia muito bem quão contraditório era com o corpo do seu pensamento a existência da escravatura. A mancha original da nação americana já então era claramente percebida como mancha, com a consciência que, a prazo, a escravatura iria ser um dos problemas mais graves da conflitualidade civil que até aos dias de hoje deixou restos na experiência de ser americano e negro, em particular nos antigos estados esclavagistas do Sul.

Não digo que não valha a pena ler este livro, principalmente como introdução à figura de Jefferson, mas para quem já saiba alguma coisa mais, sabe a pouco.

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Um aspecto pouco conhecido da expedição de Lewis e Clark, a mais famosa das «expedições de exploração em direcção ao Oeste» a que faz referência, reside no facto de um dos objectivos deste ser encontrar mamutes vivos. Este objectivo pode parecer estranho, mas provinha da visão que Jefferson tinha da Natureza, que fazia com que lhe repugnasse a ideia de que as espécies se pudessem extinguir. O interesse de Jefferson pela paleontologia também se revelou quando ele identificou uma mandíbula fóssil como sendo de um leão, o que, em virtude do seu tamanho, muita satisfação deu aos seus instintos nacionalistas, pois o conde de Buffon escrevera que os animais no Novo Mundo eram sempre versões degeneradas das espécies correspondentes do Velho Mundo, mas um leão daquele tamanho seria um contra-exemplo perfeito. Infelizmente, Jefferson estava, por uma vez, enganado; a mandíbula era, isso sim, de uma preguiça terrestre gigante. Buffon baptizou-a Megalonyx Jeffersoni.

E Jefferson não foi o único presidente americano com interesse activo na Ciência. Enquanto, em 1911, estava a participar na sua última campanha presidencial, Theodor Roosevelt escreveu e publicou um artigo científico com mais de 100 páginas. Alguém imagina John McCain ou Barak Obama a fazer uma coisas dessas hoje em dia?

Quanto à contradição entre o pensamento iluminista de Jefferson e o facto de ser dono de escravos, talvez ele tenha aprendido a lidar com o assunto com os revolucionários de 1789, que proclamaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que começa por «Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos», o que realmente não é compatível com a escravatura. Em seguida decretaram que a Declaração só se aplicava à França metropolitana, mas não às colónias...

(José Carlos Santos)

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Thomas Jefferson, na redacção original da Declaração de Independência escreveu o seguinte, e que é bem significativo:

«He has waged cruel war against human nature itself, violating it's
most sacred rights of life and liberty in the persons of a distant
people who never offended him, captivating & carrying them into
slavery in another hemisphere, or to incur miserable death in their
transportation thither. This piratical warfare, the opprobium of
INFIDEL Powers, is the warfare of the CHRISTIAN king of Great Britain.
Determined to keep open a market where MEN should be bought & sold, he
has prostituted his negative for suppressing every legislative attempt
to prohibit or to restrain this execrable commerce. And that this
assemblage of horrors might want no fact of distinguished die, he is
now exciting those very people to rise in arms among us, and to
purchase that liberty of which he has deprived them, by murdering the
people on whom he also obtruded them: thus paying off former crimes
committed against the LIBERTIES of one people, with crimes which he
urges them to commit against the LIVES of another.» (ver aqui )

Tal parágrafo, durante os debates foi retirado e não aprovado. Mas Thomas Jefferson posteriormente, sempre fez questão, em todas as cópias que enviava aos muitos que o solicitavam, de colocar todo o texto original e não apenas a versão final. Convirá também ter presente a sua auto-biografia, onde expressamente defende a dignidade e o direito de todos os homens, independentemente da sua «raça», de serem livres e iguais.

No entanto, é verdade que ele considerava que a natureza e as condições concretas do seu tempo tinham levado a que os negros fossem efectiva e concretamente inferiores, não por direito ou por natureza, mas pelas circunstancias. Defendia sobretudo que seria impossível a vivência em comum das duas raças, atendendo aos conflitos que ele
acreditavam que efectivamente se gerariam. Defendia a libertação dos negros, mas a sua transferência para em outro território, pensando nomeadamente na República Dominicana (tese que mais tarde veio a ser experimentado, sem sucesso, na Libéria).

(Gabriel Silva)

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