ABRUPTO

21.7.08


SOBRE O "FASCISMO HIGIÉNICO"

Fragmentos de uma intervenção no I Congresso Nacional sobre Estilos de Vida Promotores de Saúde realizado em Viana do Castelo (Junho 2008), numa reportagem do jornal Notícias Médicas.

(...) Representa uma sociedade marcadamente hedonista, caracterizada pela presentificação. Foi, por isso, com alguma perplexidade que (...) aceitou o convite para falar no I Congresso Nacional sobre Estilos de Vida Promotores de Saúde. Um título que, na sua opinião, contém a sugestão subliminar de que o nosso estado natural é estarmos doentes, pelo que precisamos de promover a saúde, assim como na fé católica nascemos pecadores, pelo que precisamos de um baptismo e de sucessivas confissões para ficarmos "puros e virginais".

A comparação entre a mensagem dos profissionais de saúde e a ideia de pecado original vai mesmo mais longe: "A doença é apresentada como uma espécie de culpa. Uma das características do discurso higienista contemporâneo a que nós somos culpados por estarmos doentes. Estamos doentes porque não promovemos a nossa saúde, porque não levamos a vida que devíamos levar, mas sim a vida que queremos".

(...) A culpa e o medo explicam o efeito poderoso de algumas campanhas [de saúde pública]. Sendo embora eficazes, não lhe parecem argumentos razoáveis. "Essa culpa não nos faz falta nenhuma. Vivemos numa sociedade em que a culpa transpira por todos os poros. Temos culpa da camada do ozono, do mau tempo, da fome no mundo, da SIDA, do preço dos combustíveis, da pedofilia, da pobreza, de praticamente todos os males que nos aparecem na televisão", lamentou. O problema, diz, é que a culpa nos torna "mais dóceis e menos respeitadores da nossa própria liberdade". E também da dos outros.
(...)
O grande problema da promoção dos estilos de vida saudáveis é conciliar os direitos colectivos com os direitos individuais, designadamente quando essa promoção passa a estar plasmada na lei, afectando os direitos dos indivíduos que livremente escolhem viver de forma diferente. "E se há característica dos dias de hoje é a continua erosão dos direitos individuais. Nos nem sequer nos apercebemos", realçou, falando numa "intromissão do Estado no modo de vida de cada um". (...) A tendencia para a punição e ainda mais perigosa. E o que acontece quando se entende que quem quer fumar, ser sedentário ou engordar está no seu direito de o fazer, mas não poderá aceder aos serviços de saúde em pé de igualdade com quem não fuma, faz dieta ou pratica exercício físico três a cinco vezes por semana.

(...) A propósito, (...) considerou que as considerações sobre a liberdade de escolha devem ser tidas em conta e que "a escolha individual deve ficar a margem da legislação", garantindo a diversificação de comportamentos e de modos de vida. Assim, embora deva existir uma "solidariedade comunitária", ela "não deve, em nenhuma circunstancia, por em causa o modo como cada um vive e em que cada um entende ser feliz" e que "não passa necessariamente por viver a vida toda culpado porque se é gordo" por muito que isso incomode uma industria florescente que se encarrega de "emagrecer as senhoras e os cavaleiros em vésperas do Verão". "Existe uma tensão entre um principio comunitário e uma liberdade individual. Se nós eliminarmos pela lei este tensão, estamos perante uma sociedade mais pobre em que se viva saudável, mas tenho muito contra que se viva infeliz. E não estou certo de as duas coisas vão ao lado uma da outra".

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© José Pacheco Pereira
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