ABRUPTO

26.7.08


COISAS DA SÁBADO: O FÁCIL NOME DE RACISTA

Num recente programa da TSF sobre o tiroteio de Loures, um ouvinte começou a barafustar contra as condições que eram oferecidas aos ciganos e aos pretos que não tinham que trabalhar como ele e os “portugueses”. Dizia o ouvinte, em tom indignado, que muitos deles vão aos correios buscar o “ordenado” que o estado lhes dá, e protestam com qualquer atraso. Não custa imaginar o ouvinte, um idoso ou reformado com idêntico purgatório nas estações do correio, a assistir à cena e a pensar que trabalhou ele toda a vida para ganhar uma magra reforma enquanto que aqueles “malandros” sem fazerem nada são sustentados pelo “governo”.

A TSF tirou-lhe a palavra porque não eram permitidos comentários racistas nem xenófobos. Não me parecia que fossem muito especialmente racistas, porque não era tanto a condição de serem “pretos” ou ciganos” (também era, como é inevitável) mas a de serem pessoas com idade para estarem no mercado de trabalho e viverem “à sua custa”. Não se pense que não há alguma razão nesta atitude. O assistencialismo do estado, com a sua panóplia de subsídios, gera exclusão e marginalidade, bolsas de pessoas que sobrevivem com os subsídios, e mais umas outras actividades na economia informal, mais ou menos ilegal, Não vivem bem, mas vivem tão mal como os seus congéneres, em condição e rendimentos, que trabalham. Daí que os pobres que trabalham sejam particularmente duros com os pobres que vivem de subsídios, em particular se partilham as mesmas comunidades, e podem ser comparados em idade e condição física e social.

O olhar de uma mãe jovem que trabalha como empregada num café é o mais cruel que há para a mãe jovem que vive do rendimento de inserção e passa as manhãs nesse café sem fazer nada, à conversa com as outras mães que também vivem do subsídio. O que muitas vezes as separa são estratégias para o subsídio: uma casou-se na Igreja, outra é mãe solteira, mesmo que as famílias por fora sejam exactamente iguais.

O problema com a nossa visão destas coisas é que não queremos ver estratégias onde achamos que há só cor e costumes, ser preto ou ser cigano. E por isso no programa da TSF, logo a seguir um à retirada da palavra, outro e outro dos ouvintes começavam a sua intervenção dizendo: “aquele senhor tem muita razão”.

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Li o seu comentário de dia 26 relativo aos acontecimentos de Loures, e não posso deixar de estar de acordo. Não é preciso ser um português dito "pobre", basta, para entender o seu reparo, ser de classe média, ter três filhos jovens e recorrer aos serviços públicos de educação e saúde por motivos de uma apertada gestão financeira.

Relato-lhe um caso que pode, de algum modo, apresentar um olhar diferente sobre o celeuma causado pela Doutora Manuela Ferreira Leite quando se exprimiu sobre a relação entre famílias e procriação: Procurando colocar o meu filho do meio, de quatro anos, num jardim infantil público (porque entretanto estava na altura de colocar o mais novo, bébé, numa creche, privada claro, pois os equipamentos públicos para esta faixa etária são inexistentes na cidade em que habito e o meu orçamento não suporta dois filhos em instituições privadas), fui colocada diante de uma lista de prioridades nas quais o meu filho não se integrava, das quais faziam parte ser originário de família monoparental, filho de pais estudantes, desempregados, ou com dificuldades económicas manifestas.

Hoje, como sabemos, metade das crianças nasce dentro daquilo a que chamamos "famílias informais", isto é, em que, se os progenitores quiserem, não declaram viver em união de facto, ou não casam legalmente, aos quais devemos juntar os que são efectivamente criados por um só progenitor. Conheço muitos casos, precisamente de acompanhar as colocações dos meus filhos nas escolas públicas, de mães e de pais que preferem manter-se publicamente com o título de "família monoparental" para garantirem os apoios sociais e educativos que tal condição lhes garante. E não falo só de minorias étnicas e de pessoas socialmente desintegradas, falo de pessoas de classe média, jovens como eu, e que procuram fazer pelo menos a sua semaninha de férias por ano no Algarve.

Pergunto se o Estado, ao reconhecer a monoparentalidade como factor de prioridade para os apoios concedidos às crianças dela originárias não está precisamente a reconhecer que esta condição, ou a condição de famílias informais (as que não resultam de casamento ou união de facto) é fragilizante para as crianças, e por isso lhes concede prioridade numa coisa tão simples como a colocação em jardins de infância públicos, recurso escasso e inacessível em muitos locais neste país.
Desta forma, o Estado também reconhece que a família formalmente constituída tem condições que os outros modelos de família não têm para o cuidado e protecção das crianças, a ponto de os considerar "privilegiados" na distribuição dos parcos recursos do Estado. Ou seja, não é tão ínvia assim a relação entre casamento e procriação, mesmo aos olhos do legislador.

Desconfio que a classe média se está a borrifar para a acusação de "pré-modernismo" que o Eng. Sócrates lançou ao discurso de Manuela Ferreira Leite, nem leva o assunto, como a esquerda das causas desejaria, para o plano dos princípios, da reforma das mentalidades e das causas fracturantes. Mas esta classe média que paga impostos e créditos à habitação, trabalha, tem filhos, e entretanto se vê empobrecer, não fechará os olhos a estas distorções que o próprio Estado cria e que no princípio parecem redistribuir a riqueza gerada, princípio do Estado Social, mas que na realidade produzem distorções calamitosas, como a de vermos pessoas que mantêm, sem trabalhar, um rendimento semelhante ou mesmo superior ao daqueles que se levantam para trabalhar pelo ordenado mínimo, e que vêem os seus filhos impedidos de entrar nas creches e jardins de infância públicos porque beneficiam já do "privilégio" de ter nascido numa família formalmente constituída.

(Paula Dias)

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Tanto quanto sei, o documento que define o que é o Rendimento Social de Inserção deixa bem claro que se trata de uma atribuição pecuniária TEMPORÁRIA e CONDICIONAL, estando os seus beneficiários obrigados a respeitar certas condições - como a inscrição num Centro de Emprego, a aceitação de trabalho, formação, etc.

A questão que se coloca é, pois, evidente: com que rigor é que o Estado faz a verificação do direito a esse rendimento (quer na sua atribuição, quer na sua - eventual - renovação periódica)?

(C. Medina Ribeiro)

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