ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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8.6.08
Estamos em Junho de 2008, a um ano e pouco de um novo ciclo eleitoral e, pela primeira vez desde 2004, penso que o caminho para que o PS perca as eleições e haja uma alternância política está claramente aberto à nossa frente. Duas prevenções desde já para as mentes perversas. Uma: não, não me enganei na data de 2004, porque era para mim certo em 2004 que o PS se não estava já no poder ia estar, era só uma questão de tempo. Outra: não, não é por causa de Manuela Ferreira Leite ser líder do PSD, embora também seja. É por causa de Manuela Ferreira Leite, do PSD, de Manuel Alegre, do BE, do PCP e acima de tudo por causa de José Sócrates, e do PS entre Alberto Martins e Vitalino Canas. Na política portuguesa fazer previsões a um ano é quase suicidário. Nós temos um grau de usura do processo político, um grau de imprevisibilidade (na verdade é mais de errância do que de imprevisibilidade), estamos tão dependentes de arroubos individuais e de títulos de jornais, que tudo pode desabar amanhã e a gente ficar com a teoria publicada para nos perseguir até ao fim da vida. Mas eu sou imprudente e de costas larguíssimas e não me importo. Penso mesmo que o nosso primeiro-ministro está em sério risco de perder as eleições legislativas de 2009 e que o país começa a desejar que aquela arrogância tenha um preço elevado. Não sei se acontece, desejo que aconteça, mas também penso racionalmente que é possível acontecer. As eleições de 2009 vão-se disputar em clima de crise económica e social, não só "clima", no sentido da geral depressão das pessoas, mas nos efeitos do "clima", empobrecimento generalizado da classe média (inclusiva) para baixo. Hoje falamos muito da crise económica e social, mas os seus efeitos ainda só começam a chegar. Ainda há dinheiro para centenas de milhares pagarem bilhetes no Rock em Rio, ainda há dinheiro para os telemóveis, para a gasolina, para o Algarve, ainda só se aflorou a crise do consumo. Daqui a um ano haverá muito menos de tudo, a crise estará em pleno e o actual Governo do PS estará enredado em opções erradas que já fez e não consegue mudar a tempo sem se negar a si próprio e dar razão à oposição. O terreno é ideal para o populismo e isso nota-se. Portas já teve esse papel, mas nele quase tudo já é póstumo. No PSD, o projecto de Santana Lopes era esse, mas ficou pelo caminho e anda agora "por aí". Mas "por aí" tem "aí", convém não esquecer. Mas é na esquerda que o populismo está de boa saúde, mais significativamente na esquerda de que o PS e a esquerda do PS tanto gostam, no BE. Quem tenha ouvido Louçã a falar na televisão há dias, junto com meia dúzia de pescadores durante a greve, percebeu a potencialidade demagógica daquele discurso. Um discurso entre "eles", os corruptos (o discurso da corrupção é o lubrificante do populismo), os exploradores, os mentirosos, e "nós", ele Louçã, combatente pela verdade, pela moralização, pelos direitos de todos a tudo. É uma linguagem inquisitorial, sempre com inimigos, sempre com a moral, ou uma outra forma qualquer de Deus, "do nosso lado". Não se previnam no BE e um dia acordam, no meio de um curso das coisas eficaz, porque o populismo tem eficácia principalmente nos dias de hoje, mas muito perigoso para a democracia. Até agora, o PS estava bem e podia preocupar-se apenas com a sua esquerda. O PSD como estava era o perfeito antídoto daquilo que qualquer pessoa com bom senso imagina que um eleitor deseja, muito mais em tempos de crise. Era errático, psicótico, obcecado pelas suas pequenas personagens e pelo seu mundo interior, não era ouvido mesmo quando ocasionalmente tinha razão. Isso mudou de todo e o PS sabe-o muito bem e por isso está como os alemães em 1941. Tinham ganho tudo o que podiam, tinham tido uma gloriosa guerra, ocupando quase toda a Europa, e depois meteram-se na aventura, abriram uma segunda frente, tinham inimigos à direita e à esquerda e era só contar os dias até que a foice e o martelo fossem hasteados em Berlim. Hoje o PS já não pode reforçar a Frente Leste sem enfraquecer a Fortaleza Europa e vice-versa, e por isso deixou de ser o agregador que foi quando podia ocupar o "centro" sem competição. O episódio do comício do BE contra o PS, com a colaboração de socialistas como Alegre no palco e outros na sala, acentua a tendência de deslocação do eleitorado moderado para o PSD, o que se acentuará à medida que o PS apareça mais fragilizado à esquerda. Este foi, como é óbvio, o objectivo do comício do BE, que não soma esquerda com esquerda, até porque a exclusão do PCP revela o carácter partidário do evento, mas sim a abertura do caminho para uma aliança BE-PS, forçada pela convicção de que o PS já não tem maioria absoluta. O comício só serviu ao BE, que sabe que precisa de manter a sua votação ou aumentá-la para ter termos mais favoráveis numa aliança com o PS. O comício do BE mostra que a política em Portugal já se faz plenamente com expectativa de maiorias relativas. Esta é a probabilidade maior quer para o PS, quer para o PSD, o que não significa que ambos os partidos não façam um esforço para ter maiorias absolutas. Tal parece-me impossível neste momento para o PS, apertado nas suas duas fronteiras à esquerda e à direita, o que não acontece com o PSD, que não tem nenhuma competição eficaz à direita. Se um deles ganhar, tanto quanto se possa prever hoje, deverá ser por maioria relativa, por isso é necessário dar importância a pensar nos acordos parlamentares ou nas coligações que possam garantir estabilidade governativa e isso tem que ser feito antes das eleições. A previsibilidade é um elemento fundamental em períodos de crise. Mas, se descontarmos os riscos de populismo e do providencialismo, é natural que quem vá votar em 2009 possa ter uma atitude mais razoável, mais madura, mais prudente do que a que pretendem os encantadores de serpentes. Os homens e as mulheres que irão às urnas estarão deprimidos no seu bolso, pouco esperançados na sua cabeça, não acreditam por regra nos políticos, não esperam muito, mas esperam alguma coisa. Sabem que desde sempre lhes disseram para aguardar a "luz no fundo do túnel", sabem que lhes pediram para "apertar o cinto" e, em vez de o conseguir desapertar, em tempo útil, têm que passar para o furo abaixo. Não vão em promessas e quem aparecer a acenar-lhe com mundos e fundos será tido como mais um mentiroso a somar ao estado corrente da mentira, representado por um primeiro-ministro que aparece como Pinóquio em metade das caricaturas. Mas tem pelo menos um factor racional para não ir em aventuras como as que lhe propõe a esquerda de Alegre ao PCP, sabem que podem perder o pouco que ainda têm. O eleitor de 2009 está assustado, triste com a sua vida, não acredita em quase nada, mas espera que alguma solidez, alguma seriedade, alguma credibilidade no governo, lhe permitam atravessar a crise sem grandes estragos, sem perder muito e talvez, talvez, passada a tempestade, possa de novo melhorar alguma coisa. É um programa mínimo para tempos difíceis, mas é um programa racional para os eleitores do "centro", que é onde a maioria dos eleitores está. O eleitor de 2009 não vai votar em grandes questões programáticas, nem em listas de medidas por muito atractivas que elas sejam, nem em grandes rupturas. Só trocará o PS pelo PSD se perceber que ganha alguma coisa, mas fá-lo-á se a mudança lhe parecer poder ser feita com confiança e segurança. Se não for assim, em tempos de crise, vai sempre preferir o "diabo que conhece". Nessa mudança, valorizará o que de mais raro existe na política, e procurará naturalmente o contrário do que já tem hoje, procurará mais sobriedade, mais solidez, menos espectáculo, menos mentiras, mais verdade. É isso que significa a credibilidade, palavra com muito mais conteúdo do que parece e que muda muito mais coisas do que se imagina, mas que tem o inconveniente de estar escassamente distribuída. Ou se tem ou não se tem. Vai querer gente muito sólida no governo, não vai querer nem demagogos, nem mentirosos. (Espero eu.) Esta é a grande oportunidade de Manuela Ferreira Leite. (Versão do Público de 7 de Junho de 2008.) (url)
© José Pacheco Pereira
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