ABRUPTO

1.6.08


NUNCA É TARDE PARA LER: O FANTASMA DE UM FANTASMA

Robert Harris, The Ghost, Londres, Hutchinson, 2008.

Este livro merece bem a classificação digna, honrada e que exige muito ofício, de um "pageturner". Não é de estranhar num Robert Harris que cada livro que faz, Fatherland, Archangel, Pompeii, produz uma espécie de ficção da contemporaneidade (mesmo Pompeii era actual) que conjuga uma excepcional capacidade narrativa, escorreita, rápida, com um plot sombrio da história. Nas duas ou três horas que são precisas para ler este livro, uma história de um ghostwriter, o equivalente ao nègre moderno do Dumas, que é contratado para escrever autobiografias de futebolistas, cantores e damas da sociedade, e que se encontra metido numa conspiração, com um antigo Primeiro-ministro britânico, acusado pelo Tribunal Penal Internacional (o resto dos pormenores são surpresa e não devem ser revelados para não tirar o interesse da leitura), a narrativa voa sem parar como é suposto. Mas, em Robert Harris, a narrativa flui no meio de uma enorme capacidade de construir ambientes, como o da ilha de Martha's Vineyard, um refúgio de Verão dos milionários da Nova Inglaterra, agora retratado no Inverno, na estação baixa, com as lojas fechadas com os seus cartazes "obrigada pela grande época, até ao ano", o ritmo do ferry para o continente e a chuva puxada a vento das costas atlânticas. Relatos como o da viagem do ferry inicial, no meio do mau tempo, com a imagem do mar e das bóias a serem "sugadas" pela corrente, ou o do arranque da caravana policial que protegia o ex-Primeiro-Ministro, com os carros da comitiva, as motos da polícia, os guarda-costas, as sirenes, como manifestação de "força", força bruta, total, atravessando, varrendo todos os obstáculos, o trânsito citadino, são do melhor ofício deste tipo de escrita. Vale a pena.

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© José Pacheco Pereira
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