ABRUPTO

24.5.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VENDO



(...) admitindo que não tenha tido oportunidade de ver os telejornais de ontem à noite e não tenha, em consequência, conseguido apreender os conhecimentos básicos que por estes dia são obrigatórios na cultura de qualquer português e patriota que se preze, aqui lhe trago uma súmula desses conhecimentos indispensáveis ao homem moderno. Estou certo que saberá reconhecer e apreciar o serviço que lhe presto. Fica a dever-me uma.

Cá vai, então:

- O hotel onde os jogadores da selecção de futebol estão alojados dá para a serra, uma paisagem muito semelhante à que vão encontrar na Suiça que também é um país com muitas serras;

- A selecção está em estágio em Viseu que rima com Europeu. Isto só pode ser um bom augúrio para a nossa prestação no campeonato;

- Ao pequeno almoço os jogadores comeram sandes de queijo;

- Em conferência de imprensa convocada para o efeito, o jogador Petit declarou a sua convicção que Cristiano Ronaldo não ficará afectado com o penalty que falhou na final da liga dos campeões, porque toda a equipa o irá ajudar. Scolari concordou e referiu que um jogador não carrega vinte, mas vinte podem carregar um. Foi profundo;

- Deco não pôde treinar com os colegas;

- No hotel da selecção, estagiou também, em 1999, a equipa do Porto que viria a ganhar o campeonato nessa época. É mais um bom augúrio;

- O cantor Roberto Leal visitou a selecção em estágio e cantou para os jogadores o tema “uma casa portuguesa”. Foi um momento cheio de simbolismo, porque Roberto Leal é luso-brasileiro e a selecção nacional também o é, em certo sentido. Os jogadores são portugueses e o treinador é brasileiro.

- Numa espécie de premonição milagrosa, no Euro de 2004, antes do jogo contra a Espanha, Scolari pediu a Nuno Gomes que, antes do jogo, dirigisse algumas palavras de incentivo aos colegas. E não é que foi Nuno Gomes a marcar o golo com que derrotámos a Espanha? O homem parece que tem poderes ocultos ou é tocado pela graça divina;

- Quatro rapazolas com idade para trabalhar, não conseguindo bilhetes para o Euro (já estavam esgotados) meteram-se num velho Renault 5 a que chamaram “a promessa” e viajaram até Viseu vestidos de palhaços, procurando chamar a atenção de Gilberto Madaíl, convencendo-o a arranjar-lhes os bilhetes. À porta do hotel, vestidos de palhaços, a tocar tambor, constituem uma prova irrefutável da profunda comunhão entre o povo e a sua selecção. Pelo menos, é o que garantem os telejornais e nós só temos que aprender, porque nunca é tarde para aprender.

Ah, já me esquecia (que cabeça a minha!) parece que os preços do gasóleo e da gasolina subiram outra vez e, segundo os analistas, o preço do barril de petróleo não vai ficar por aqui. Também disse no telejornal.

Houve também um miúdo baleado em Alfama.

E o Pepe foi convocado para um jogo particular do Real Madrid e não pôde integrar ainda os trabalhos da selecção. Devem ser os espanhóis com medo que lhes ganhemos. Mas isto já é uma interpretação minha. Os telejornais não o disseram.

(António Cardoso da Conceição)

*

Só a título de curiosidade e comparação, envio-lhe um texto que escrevi há quase dois anos num blogue sem qualquer pretensão que serve apenas para contar as novidades aos meus amigos, uma vez que estou a viver na Suiça há três anos:
Wednesday, June 28, 2006: Porque eu gosto do telejornal Suiço...

O telejornal Suíço começa às 19h30 certas e acaba às 20h00 em ponto. O telejornal Suíço não tem intervalos, não tem "anúncios" das notícias que aí vêm com música de fundo de filme de suspense, não tem melodramas, não relata tudo até ao último detalhe. E sobretudo não é "o Crime" versão televisiva... conseguem dar as notícias mais importantes do dia sem dramatizar, sem se alongarem duas horas relativamente a factos irrelevantes, sem entrevistarem toda a populaça envolvida...
Os editores do telejornal suíço seleccionam as notícias relevantes do dia e os jornalistas apresentam-nas de forma sucinta, directa e clara. Por exemplo, hoje fiquei a saber que a Suiça vai continuar nos próximos tempos a negociar com a União Europeia através de acordos Bilaterais. 4 minutos de notícia em que uma das conselheiras federais foi entrevistada apenas para explicar do que se tratava. Sem conferências de imprensa, sem alaridos. Um membro da oposição também foi ouvido rapidamente. Falaram das meninas Belgas cujos corpos foram encontrados hoje. Ouviram testemunhos, mas sem gritos nem choros. Mostraram a mãe das crianças a dizer duas frases, e um habitante de Liège. Passaram à notícia seguinte. Da mesma forma sóbria explicaram que a polícia de Zurique dará uma recompensa a quem puder dar indicações que levem à descoberta do motorista que matou um miúdo de quinze anos que ia na sua bicicleta na faixa para ciclistas, arrastando-o largos metros e acabando por abandona-lo na estrada e fugir. Não foram falar com a avó, o tio, o primo, o vizinho. Nada. Disseram o que interessava, mostraram umas imagens de onde o acidente ocorreu e passaram mais uma vez à notícia seguinte. Desta vez as buscas dos israelitas pelo jovem soldado raptado. Entrevistaram o correspondente no médio-oriente que explicou tudo claramente.... e assim até ao final, 30 minutos depois do início. Nem mais um minuto. Nesta meia hora fico a saber o que de mais importante se passou durante o dia. Tudo. E consigo manter-me atenta do princípio ao fim, sem ser tentada pelo zapping... ou ligar o computador para escrever este post enquanto decorre o telejornal na RTP internacional... é que já me baralhei com tanta música, anúncio, entrevista (aos donos das barraquinhas de cerveja em Gelsenkirchen, aos jogadores brasileiros, aos jornalistas ingleses - a falarem sobre eles próprios (!) - aos jogadores portugueses, e sei lá quem mais).
(Margarida Rato)
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Acho vergonhoso o tipo de reportagem que as televisões andam a fazer do terramoto na China. Não falo da comparação de peso e profundidade entre estas notícias e as notícias "futebolísticas", falo mesmo do conteúdo em si. "Terramoto na China" é uma expressão ridícula, se pensarmos na área geográfica daquele país e da população. Se estivéssmos há 10 dias a ouvir dizer "Terramoto na América" sem nunca ninguém dizer em que Estado ou em que cidade, não acharíamos isso estranho? Não haverá possibilidade de mostrarem um mapa, para sabermos do que estamos a falar? Se o total de população chinesa é mais de 1 bilião de pessoas, estará toda essa gente afectada pelo terramoto?

Para além disso, as reportagens de hoje mostram que as televisões mandaram qualquer tipo de análise crítica para o lixo: histórias do Premier Chinês a visitar fábricas de tendas e a dizer que "todos têm de trabalhar 24 horas por dia em prol da nação" é propagada mal disfarçada e é pena que os Media ocidentais não sigam com a China o mesmo tipo de critérios que andam a seguir com Myanmar, por exemplo.

(PL)

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