ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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11.4.08
Eu tenho uma tese acerca de onde nascem estas coisas. Estão os nossos dirigentes políticos, mais os deputados, mais os seus amigos e funcionários, em permanente conversa. A conversa, 24 horas sobre 24, é sempre sobre as mesmas coisas: sobre as malfeitorias dos Inimigos Próximos e dos seus tenebrosos motivos, da rede de interesses, dinheiros, cama e parentela que os une com a comunicação social numa conspiração “contra o líder”; e, as menos importantes e acima de tudo menos mobilizadoras de fúria, as malfeitorias dos Adversários, que até são uns tipos com quem se pode beber um copo, mas a quem tem que se parecer que se quer ganhar eleições, principalmente quando eles não querem partilhar o bolo. Dessas conversas resultam um conjunto de anedotas, factóides, informações em terceira mão, títulos de jornais, pseudo-análises, opiniões avulsas, mas acima de tudo muito daquilo a que se costuma chamar “bocas”. Muitas e muitas “bocas”, uma espécie de blogue verbal. A isto soma-se uma ou outra coisa desirmanada ouvida num almoço com uma personalidade que aceitou vir encontrar-se com o “líder” e que deu uma ou outra ideia “engraçada”, que, de regresso à sede, se torna numa iniciativa política a apresentar no jantar com militantes logo à noite, pré-anunciada aos jornalistas como “uma grande iniciativa política” e pensada já com título no jornal de amanhã. Se o jornal de amanhã não deu título, ou a “mensagem” saiu mal, a culpa é dos Inimigos Próximos que a corromperam dizendo coisas malévolas, como “mas isso é contraditório com o que ele disse há um mês”, ou “ele não fez as contas bem em quilómetros de auto-estrada”, ou “qual é o nexo, qual é o interesse, em que é que isso interessa ao país?” De um modo geral, tudo isto é feito na base de muitas conversas de café, bar e restaurante, pouca leitura que não seja dos jornais e revistas, quinhentas chamadas de telemóvel, pouca observação que não seja a da televisão, meia dúzia de recados, do género, “olhe que eu acho que você devia levantar esta questão porque isto é muito grave e o X só faz asneiras nesta área”, intenções avulsas, frases engraçadas, citações erradas, e muita conversa em circuito fechado entre pares, com os mesmos “conhecimentos” e, acima de tudo, a mesma vida. A tudo isto soma-se a convicção pessoal de que se é portador de um génio político inato, de uma intuição mil vezes testada pela adversidade “mas que me fez chegar onde estou” e logo temos uma política. Ou melhor, duas, ou melhor várias no tempo, ou melhor, uma para hoje e outra para amanhã, ou melhor, um “discurso”, uma “mensagem”, um “desígnio”, um “destino”. O que é que leva um partido como o PSD a considerar como matéria de iniciativa pública, com envolvimento parlamentar, o facto de a RTP ter feito uma encomenda em 2007 a uma produtora externa (o que é uma prática habitual de todas as televisões) de um programa sobre bairros sociais e de essa empresa ter encomendado um trabalho a uma jornalista profissional do Diário de Notícias que já tinha escrito sobre a matéria e tinha experiência de televisão? Não se percebe qual a razão de interesse público para um partido levantar a questão. Produtoras externas na televisão pública quando “deveria ter optado por um profissional da casa”? Esta foi a explicação de recuo, por quem pelos vistos nunca vê a RTP, que floresce de produtoras externas. Nunca viram os Gatos Fedorentos das Produções Fictícias? A Contra-Informação da Mandala? Tudo coisas em que se “deveria ter optado por um profissional da casa”? Mas a “razão” percebe-se quando se está atento às palavras. Diz Branquinho: “Trata-se de uma decisão escandalosa, pornográfica até.”. Diz Rui Gomes da Silva no Congresso do PSD da Madeira que “questionou as competências profissionais da jornalista e levantou suspeitas sobre eventuais relacionamentos pessoais que terão favorecido a escolha.” (sublinhados meus) Eu sei a “razão” e é a pior. A jornalista em causa é tida como próxima do primeiro-ministro, o tipo de matérias que floresce como bolor nas conversinhas que referi acima, entre o machismo e a maledicência. Só isso. Não há nada de interesse público no caso. Apenas uma política que voa muito, muito baixo. E é assim que se mata um partido. (url)
© José Pacheco Pereira
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