ALGUNS MITOS CORRENTES SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES (2)
O mito de que os professores "querem ser avaliados", repetido à saciedade pelos órgãos de comunicação social, assenta no facto de os professores dizerem que "querem ser avaliados". No contexto actual não podiam dizer outra coisa, porque dizerem que não queriam ser avaliados daria uma imagem de privilégio e de fuga às responsabilidades. Há no entanto professores que dizem uma coisa diferente, com menos sucesso comunicacional: a de "que já são avaliados", ou de que "foram sempre avaliados", o que são maneiras distintas de falar da avaliação, com implicações diferentes. Mas estas últimas fórmulas não têm o sucesso da que "querem ser avaliados".
Ora qualquer estudo sobre o comportamento de grupos profissionais funcionalizados e sobre sociologia das organizações dirá que ninguém (ou a maioria) alguma vez desejará substituir um sistema de progressão na carreira sem riscos (como a antiguidade) por outro que contenha riscos, que implique provas, exames, controlo pelos pares, hierarquia. Numa profissão só uma pequena minoria pode desejar a avaliação com risco se isso significar melhores condições de trabalho e melhores salários. Essa minoria é normalmente mal vista pela maioria. Quando se aplicou o sistema Taylor nas fábricas, os operários que aceleravam os ritmos de trabalho eram mal vistos (e às vezes espancados) porque mostravam que um parafuso podia ser feito com muito menos tempo do que a média de tempo usada pela maioria. Foi essa minoria que, ao ser alienada pela ministra, pela forma como foi feito o concurso para professores titulares, criou o vazio existente.
E como não é uma minoria a que esteve na rua, convinha não repetir aquilo que não é mais do que um slogan útil: a de que "os professores querem avaliação". Se fosse possível fazer uma experiência mental, um Gedankenexperiment, colocando urnas para voto secreto e vinculativo nas escolas com a pergunta se os professores querem continuar como estão, ou ser avaliados, alguém duvida da resposta maioritária? Teria é que ser vinculativo para ser a sério e não uma opinião politicamente correcta.
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Da minha experiência profissional de vinte anos de docência, creio que um número muito considerável de professores responderia, como eu, que quer mecanismos justos e imparciais de avaliação, com efeitos na progressão na carreira.
É um lugar-comum afirmar que, em todas as classes profissionais, há boas e más práticas dos trabalhadores. No ensino, independentemente da prestação e do investimento pessoal em formação continuada, os efeitos eram idênticos. Acontece que algo de semelhante vai continuar a acontecer. Veja-se as injustiças ocasionadas pelo concurso para professor titular.
O que me parece perverso em todos este processo é a ideia, que está a passar, de que tudo vai ser resolvido com o novo sistema. Concordo com algumas das mudanças introduzidas (nomeadamente, com as aulas de substituição) mas parece-me que, quem trabalhava conscienciosamente, está agora esmagado com o acréscimo, muitas vezes inútil, de tarefas. Quem sempre trabalhou pouco, acaba(rá) por encontrar mecanismos de fuga. Se os professores empenhados narrassem o seu quotidiano profissional, ver-se-ia que dão à escola e, sobretudo, aos seus alunos, bem mais do que aquilo que está previsto na lei. Tem de ser assim, lidamos com seres humanos.
Não é fácil pôr a funcionar um sistema de avaliação de desempenho de uma classe profissional com a especificidade da da docência. Mas parece-me fundamental, em todo este processo, ver como estão a funcionar as instituições que deveriam articular o seu trabalho com o das escolas. A população escolar portuguesa mudou de tal forma, nos últimos anos, que é impossível esperar que sejam os professores a resolver problemas gravíssimos com que se deparam, todos os dias, e que obstam ao sucesso dos alunos.
Recordo um texto de Eduardo Prado Coelho, onde ele dizia que um professor precisa de ler, de ir ao teatro e ao cinema, de visitar exposições... Já nem ouso almejar tanto! Gostaria, pelo menos, de ter tempo para preparar as aulas. O que se torna difícil, quando se passa cerca de 12 horas numa escola...
Estas linhas - um tanto ou quanto desalinhadas! - não dizem nada de novo e poderiam, decerto, ser subscritas por muitos colegas meus. Não quis desfiar um rol de queixas. Foi apenas um desabafo, antes de voltar a mergulhar nas largas dezenas de provas que tenho de corrigir, hoje, domingo, dia de descanso para tantos mortais.
(Paula Figueiredo)
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(...) Sou professor do Ensino Secundário de História, tenho um Mestrado e um Doutoramento (tirados no ISCTE) em História Contemporânea, ou seja, sou doutorado na área científica em que sou docente, mas vou ser avaliado (de acordo com as grelhas) científico-pedagógicamente na minha área de docência por um Licenciado em geografia (Coordenador de Departamento), e vou ser também avaliado pelo Presidente do Conselho Executivo, neste caso um bacharel em fim de carreira!!
Portanto, em termos académicos o Estado Português confere-me um alto grau de competência científica, grau esse que utilizo para a área de docência, depois este mesmo Estado, obriga-me a ser avaliado na minha área de docência por um Licenciado em Geografia e por um Bacharel!!! (...) acha mesmo isto correcto?? É razoável??
Pois olhe meu caro amigo isto para mim é humilhante…. Não lhe desejo que estes laivos ditatoriais e humilhantes lhe cheguem à sua porta….. Mas já sabe como é a História da Humanidade, pensamos sempre que estes males nunca chegam a nós…… mas podem chegar….
(Pedro Brandão)
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Não tenho dúvida que se fosse possível fazer a tal gedankensexperiment, livre do politicamente correcto, a resposta maioritária seria não à avaliação. De resto, o mesmo aconteceria em qualquer grupo profissional, posto perante tal alternativa. Os professores não têm evidentemente o exclusivo de um certo tipo de atitude mental, ideia que às vezes quem manda quer deixar passar. Muitos dos que, sendo oriundos de outros grupos profissionais com avaliação desde sempre, atiram à cara dos professores o facto de terem progredido na carreira até hoje sem avaliação digna desse nome, são mais movidos pela inveja pura e dura do que pela consciência de que é dever de todos prestar contas pelo seu trabalho. Defendo há muito que a profissão docente precisa de regulação. Há pessoas lado a lado a trabalhar com diferenças de qualidade e empenho incríveis, sem que isso tenha qualquer espécie de reconhecimento, o que é evidentemente uma injustiça. Mas com este modelo de avaliação, não me parece que isso seja possível. É pena!