ABRUPTO

25.2.08


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ÁTOMOS E BITS

de 25 de Fevereiro de 2008 (2)

O debate Zapatero - Rajoy transmite a dureza da vida política espanhola, mais radicalizada do que a portuguesa. Mas, no seu conjunto, mostra em ambos o esgotamento deste tipo de retórica política, deste teatro estudado ao milímetro, feito de acusações mútuas, que resulta cansativo e estéril. O que é que acontecia se aparecesse alguém a falar normalmente com dúvidas, reconhecendo erros, hesitações, com convicções mas sem tanta certeza, discutindo mais do que proclamando? Cada vez me parece mais que talvez, talvez, tivesse uma oportunidade. Não sei. talvez.

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Estou absolutamente de acordo consigo quanto ao debate Zapatero - Rajoy e ao cansaço causado pelas certezas absolutas. Mas não estará você a cair em contradição com a sua própria atitude frequentemente pouco nuancée - veja por exemplo o que escreveu sobre Obama, a última entrada sobre o Insurgente ou a fobia do futebol. Não me entenda mal: eu acho muito bem que pense nas coisas e que escreva sobre elas e infelizmente há poucos por aí a fazê-lo com liberdade; acho é que também sofre dessa tendência de pintar a preto ou branco.

(Pedro Barbosa)

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Há anos que me faço essa pergunta, convicto que estou que seria bem diferente e aceite (ainda que ao princípio com alguma resistência) quem tivesse um comportamento “humano” em cenário político. Penso, muito sucintamente, que um dos problemas reside nas máquinas partidárias, nas agências de comunicação e afins que, pura e simplesmente, trituram quem possa vir com novas ideias acerca de uma abordagem diferente e mais honesta aos temas de debate. Para que tal não acontecesse, seria necessário um líder forte e com personalidade, que não se submetesse à lógica político-partidária. Ora, é visível que esses – a existirem – estão longe destas coisas, porque não estão para isso.

(Rui Esperança)

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Não se estará a referir a António Guterres? Ele era justamente assim, com dúvidas, humanista, hesitante por vezes. Mas não foi precisamente por aí que se iniciou o "ataque" ao então primeiro-ministro? Depois veio a presidência da UE (distanciamento da política interna, disse-se então, como se a política comunitária não fosse, também ela, interna, ou de interesse nacional) e os jornais, seleccionando as piores fotografias para publicar (a partir de 2001) fizeram o resto. A António Guterres não foi feita ainda, na minha opinião (claro), justiça ao seu trabalho enquanto PM, nem mesmo depois de Durão-Santana-Sócrates. Tenho muita pena que se tenha demitido, desde então, não temos tido homens a governar sem ser pela arrogância e pela mentira.

(Samuel Freire)

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Queria chamar-lhe a atenção para o adensar do clima de tensão social e política que se vive em Espanha com o aproximar das eleições de 9 de Março. O PSOE apresentou o guia do candidato para a campanha e o assunto promete dar que falar por aqui. No documento define-se a estratégia que deve seguir o discurso dos políticos socialistas durante a campanha. Cumprindo com a linha retórica da esquerda no que toca a períodos pré - eleitorais, sugere-se explicitamente o recurso à caricatura da direita, a exploração do estereótipo habitual que a cola à extrema-direita, que insiste no seu carácter autoritário, retrógrado, anti-social e agressivo por contraponto à esquerda socialista: moderna, progressista, justa, afligida pelos problemas sociais, moderada, defensora dos pobres e oprimidos. O guia é de tal forma descarado no convite que faz à exploração política de uma imagem preconceituosa e enviesada que mais parece um manual de demagogia ou de manipulação de massas. E o pior é mesmo o despudor com que o assume e as consequências que está a ter.

Enquanto o guia do PSOE alerta os espanhóis para o autoritarismo da direita, vem da esquerda a selvajaria que nos últimos dias tem impedido a liberdade de expressão sob aquela aura romântica do “intelectualismo inconformado” que a contracultura de 68 criou. Nos últimos 15 dias houve tentativas organizadas de agressão a dirigentes do PP como Maria San Gil em Santiago de Compostela, Dolors Nadal, impedida de falar em Barcelona, Franscisco Granados e Juan Guermes também do PP e Rosa Diez, do novo partido UPyD em Madrid. Aqui na Faculdade de Ciência Política da Complutense, a cartilha neomarxista não deixa espaço ao “outro”. Quem não partilhe a perspectiva da “dominação simbólica” que nos define a todos como cúmplices do capitalismo opressor e é a preferida de quem opta pelo modo de vida do “perro y porro” ou quem apresente o menor sinal de “aburguesamento” está automaticamente sujeito ao clima insuportável de intolerância, denúncia e acosso. Esse mesmo que dissuade qualquer visita académica que ouse problematizar ou reflectir criticamente sobre os adquiridos e o “dogmatismo preguiçoso” da esquerda, que era justamente o que se propunha fazer a presidente do novo partido surgido em Espanha e que junta personalidades reconhecidas como por exemplo o filósofo Fernando Sabater.

A estes episódios somam-se ainda os vídeos da “Izquierda Unida” colocados no youtube em que se pode ver o avatar do próprio líder (Llamazares) a queimar uma fotografia da família real numa daquelas acções de fanfarra tão típicas na estética de acção da extrema esquerda europeia. Sem deixar de ser contraditório é de facto notável o modo como a Revolução se aproveita tão bem dos veículos de informação e da lógica sensacionalista que critica no capitalismo para ganhar a atenção e o protagonismo que o sufrágio popular lhe nega sistematicamente.

Faltam duas semanas para as eleições e tenho a impressão de que todo o ambiente de profunda crispação social e política que desencadeou um governo acidental, “repescado” entre os dias 11 e 14 de Março de 2004, se vai condensar nestes 15 dias à volta de temas tão actuais na vida política de Espanha como os separatismos vasco e catalão, o estatuto da Igreja Católica, a nova disciplina de “Educación para la Ciudadania”, que é pouco menos do que uma tentativa de “alinhar” os adolescentes espanhóis no politicamente correcto do socialismo “moderno”, a lei de memoria histórica, um capricho de Zapatero que reabre a ferida que a Transición tentou fechar com tanto custo para evitar um processo revolucionário como aquele que deixou marcas entre nós, etc.

Acrescento apenas a propósito das agressões que os movimentos feministas, particularmente fortes em Espanha e normalmente lestos a denunciar a violência de género não tiveram uma única palavra de condenação e censura para a cobardia daquela rapaziada tão CHE que abana as bandeiras da tolerância e da diferença mas não deixa falar quem tenha outra opinião a dar. A palavra que se ouviu, essa sim, foi a de Felipe Gonzalez que ironizou sobre o facto de uma das senhoras ter aparentado chorar por ser ver no meio daquele espectáculo. Tendo em conta que se trata do “sábio” mor da UE, às tantas ainda nos vão proibir o choro ou então admiti-lo só para quando soe a Nona…

(Diogo Xavier Madureira)

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Discordo da sua nota sobre o debate. Não creio que seja a retórica política em Espanha mais radicalizada que por cá, o que há sim é uma sociedade mais radicalizada, e sobretudo uma direita perfeitamente canhestra e caceteira. Espanha tem cinco vezes o tamanho de Portugal, e quatro vezes e meia a população, com vários problemas de nacionalidades- País Basco, Catalunha, Galiza( basta ver a posição que está a ter sobre o Kosovo para se perceber que a balcanização não é um fantasma, mas sim uma ameça). Convém não esquecer que Espanha tem uma longa história de guerras civis( não apenas a deste século), de intentonas repúblicanas e de sucessões dinásticas falhadas. E convém recordar que o próprio avô de Zapatero morreu na guerra civil espanhola. Numa manifestação recente um manifestante do PP tinha um cartaz alusivo a esse facto histórico: "Zapatero, bete com tu abuelo", ou seja Zapatero vai ter com o teu avô. Espanha tem a direita mais "caceteira" da europa. O PP não é, de modo algum, parecido com o nosso PSD. É muito mais parecido com o nosso PP que com o nosso PSD, sobretudo na demagogia e no discurso hiperbólico. A atitude de encobrimento que Rajoy teve no 11 de Março faria com que, em qualquer país europeu, nunca mais voltasse a fazer política. Se fosse em Portugal não estou a imaginar nenhum líder do PSD a sobreviver a um tal evento. Porém em Espanha a direita optou sempre por defender quem a esquerda ataca. Não importa quem, nem o quê- se for atacado pela esquerda é porque é bom!... É deste primarismo populista que este PP vive. E esse primarismo populista, gostem eles ou não disso, tem um nome na sua génese: Franco. O discurso da direita espanhola é, sem tirar nem por, o mesmo que o velho ditador tinha. Ao contrário do que sucedeu por cá, muito graças à acção de Francisco Sá Carneiro, um político de excepção, a direita espanhola não mudou com a abertura democrática e continua tão franquista como o era antes da Constituição. O PP é o seu mais que perfeito herdeiro político.

(Pedro Pita Soares)

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O debate Zapatero-Rajoy, na parte em que vi, incluindo os dez minutos iniciais de enumeração de todos os órgãos de comunicação que o transmitiam e a descrição detalhada das regras a que obedecia, fez-me lembrar as óperas chinesas em que até os passos de cada um no palco estão contados e a existência e cumprimento dessas regras são um valor em si mesmo. Confesso que além de pouco interessante me parece quase ridículo. Os temas estão preparados, cada um leva decoradas as suas declarações e há pouca discussão verdadeira. O importante é “fazer passar uma mensagem”, mesmo que não seja em diálogo efectivo com o interlocutor. Há que parecer sereno, parecer seguro, parecer confiante, parecer respeitar as regras, parecer sério, parecer agressivo sem ser violento, parecer dominar os assuntos, especialmente números, parecer que já ganhou. De alguma forma, fez-me lembrar a entrevista de Sócrates à SIC. Ou seja, um tédio.

Também os blogues portugueses que li entram nos sítios certos, com a voz, a nota, a veste e os passos certos: os que pensam que são de direita acham que ganhou Rajoy, os que acham que são de esquerda acham que ganhou Zapatero. E depois, papagueiam exactamente os mesmos argumentos. Ou seja, a mensagem passou. Sem fífias ou gaffes. E vazia.

(R)

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