ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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20.1.08
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Quando quero ver o tempo, ver claramente visto, basta-me olhar à volta. Se for um "amador naturalista", como dizem os ingleses, viver fora duma cidade permite-me, mesmo sem muita atenção, ver os ciclos da natureza. Está uma névoa fina e, em frente à minha janela, uma teia de aranha mostra o habitual bordado de gotas. A aranha deve estar com um feitio insuportável porque a eficácia da teia é muito menor. O telhado em frente tem uma verdadeira plantação de ervas entre as telhas. A alma das ervas deve estar contente com esta neblina e com esta visibilidade de meia dúzia de metros. Estou certo que não me colocam um aeroporto no quintal, mesmo com o ministro Mário Lino em funções. Encalhadas nas ervas do telhado, umas folhas de louro devem dar sabor. O loureiro é uma árvore perene, constante, que não engana ninguém na sua cor verde de árvore como deve ser. Para spleen, estados de alma e meditação, tem que se olhar para outro lado, onde a figueira se torce para expiar a culpa de Judas e as velhas árvores de fruto parecem uma floresta de paus. Mas loureiros e pinheiros nunca mudam, só crescem. Muito, muito devagar.
Mas, embora tudo se gaste e a seta do tempo aponte sempre na mesma direcção, a natureza é muito enganadora nos seus ciclos, parece sempre haver um eterno retorno. Se só olhasse lá para fora, ficava um budista e acreditava na metempsicose - vem cá, irmã aranha, deves ter sido SS na vida anterior, porta-te bem e na próxima nasces em Mogadíscio -, ou nietzschiano na teoria da história. Se me distraísse um pouco mais, acabava a acreditar no moto contínuo e a apresentar patentes de máquinas de movimento perpétuo perante o riso dos funcionários. Em muitos países é proibido registar patentes de "articles or processes alleged to operate in a manner clearly contrary to well-established physical laws" considerando-se "as not having industrial application". Any machine that generates more energy than it consumes is either a nuclear reactor or breaches the second law of thermodynamics. (UK Patent Office referida aqui).Mas o esplendor do tempo que passa rápido, a incarnação pouco subtil da segunda lei da termodinâmica, o sítio onde não há dúvidas sobre a efemeridade das coisas é cá dentro, passado o vidro da janela. Quanto mais humano, mesmo que na versão máquina, maior a aceleração. A seta do tempo no seu esplendor mostra a direcção do menos, menos energia, menos informação, menos temperatura, menos calor, menos movimento. A longo prazo, estamos todos mortos, dizem os economistas. Na sua maioria, os aparelhos à minha volta já não são "modernos", mesmo se tivessem vindo na lista dos gadgets da Wired há um ano. A televisão já deixa muito a desejar, ultrapassada pelos "plasmas", como é moda chamar à televisão e, sem ser HDTV, já não entusiasma ninguém com menos de vinte anos. Está apenas à espera de ser proclamada obsoleta quando o canal novo da Televisão Digital Terrestre, que o Governo vai usar para mostrar quem manda, punindo uns e agraciando outros, aparecer. ![]() Depois acumulam-se os objectos a caminho da morte rápida, um ano, dois, três. O CD em que já só pego para carregar as músicas para o iPod, que esse também vai durar o tempo necessário para ser um iPhone melhor do que o actual. Uma estante de CD já cá está toda dentro e a que ficou fora vai indo para o limbo do não-uso, para junto dos vídeos, à medida que cada aparelho de música se pode ligar ao iPod. No bolso, a música toda, e é só uma questão de tempo até serem os filmes e acabar o DVD. Tamanho médio da memória dos computadores pessoais e preço por byte da memória. O meu disco duro de ouro, primus inter pares, tem 1 terabyte, e acompanha uma corte, que já foi maior e agora é menor, de outros com 160, 320, 500 gigabytes que se foram enchendo e agora servem para me dar a ilusão que tenho um backup. Só o de 500 continua ligado. Mas, pelo caminho, deixei passar sem copiar algumas Zip, o meu intermezzo entre as disquetes e as pens, que foi, aliás rapidíssimo até que pura e simplesmente passei a transportar os ficheiros que preciso na máquina fotográfica ou no telefone. Ah! A máquina fotográfica para um subamador de "momentos" também tende a ir para o sítio dos CD, uma estante com mais pó. O telefone, com a sua lente Carl Zeiss e resolução de 5 megapixels, basta-me noventa por cento das vezes. ![]() Podia dizer: "Sejam bem-vindos ao admirável mundo novo", mas enganava-vos. Já estamos no admirável mundo novo, só falta a hipnopédia, aprender a dormir, a única verdadeira solução para a educação dos dias de hoje, mas é só uma questão de tempo. O livro de Huxley, Brave New World , publicado em 1932, começa assim : "A squat grey building of only thirty-four stories. Over the main entrance the words, CENTRAL LONDON HATCHERY AND CONDITIONING CENTRE, and, in a shield, the World State’s motto, Community, Identity, Stability." As três últimas palavras são a chave para a tese do livro, que o autor sintetizou numa entrevista:"The new forces of technology , pharmaceutics, and social conditioning can iron modern humans into a kind of uniformity, if you were able to manipulate their genetic background. if you had a government unscrupulous enough you could do these things without any doubt.we are getting more and more into a position where these things can be achieved. And it is extremely important to realize this, and to take every possible precaution to see they shall be not achieved" Aldous Huxley também se preocupava com o fascismo higiénico em nome da "comunidade" e da "estabilidade".(Adaptado do Público, de 19 de Janeiro de 2008.) * ![]() A sua referência a máquinas de movimento perpétuo fez-me lembrar um projecto para uma tal máquina que surgiu em 1925 na revista Science and Invention, cujas capas podem (e merecem) ser vistas aqui. Estou a enviar-lhe uma imagem que acompanhava a descrição do objecto. O que há de especial nela é a vara que pode ser vista na base da figura a ser manipulada por uma figura humana. Sabe o que é? É um travão, para o caso de a máquina começar a mover-se demasiado depressa! Sou da opinião de que a ideia de se acrescentar um dispositivo de travagem a um projecto de máquina de movimento perpétuo é um dos maiores actos de fé de que há registo na História. (José Carlos Santos) * Há, com frequência, alguma confusão entre MOVIMENTO perpétuo e MOTOR perpétuo. Não são a mesma coisa, pois o último é uma máquina de onde se pretende EXTRAIR energia, o que faz com que, ao fim de algum tempo, o movimento finde - como muito bem explicam a 1ª e 2ª Leis da Termodinâmica. Ao invés, o MOVIMENTO perpétuo é possível (desde que, como atrás se diz, não se procure aproveitar a sua energia): debaixo dos nossos olhos temos os planetas em torno do Sol e, desde o nascimento do Universo (há mais de 12 mil milhões de anos) que os electrões não fazem outra coisa em torno dos núcleos dos átomos - e não dão mostras de tencionarem parar... (C. Medina Ribeiro) (url)
© José Pacheco Pereira
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