ABRUPTO

9.1.08


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 9 de Janeiro de 2008


Estamos em plena, dura, completa desfaçatez do Primeiro-ministro, tratando-nos como tontos que acreditam em tudo que ele manda dizer-nos. É verdade que alguns jornalistas acreditam, mas bastava ser sensato, parar para pensar, para não se embarcar na operação de desinformação em curso nos últimos dias.

Por exemplo: andam a contar-nos a lenda urbana que o Primeiro-ministro só decidiu sobre o referendo entre anteontem e ontem, o que é do domínio das histórias da carochinha. Reparem no vaivém que o Público descreve (sublinhados meus):

2ª feira:
A possibilidade de haver referendo em Portugal, tida na segunda-feira como a mais forte inclinação do primeiro-ministro, gerou uma onda de preocupação e de estranheza nas principais capitais europeias, levando algumas delas a reagir.
3ª feira de manhã:
Ao fim da manhã de ontem, já depois dos alertas de Cavaco Silva (...), vários colaboradores de José Sócrates garantiam de novo ao PÚBLICO que a decisão sobre a realização ou não de referendo ainda não estava tomada. Tal como ao longo de toda a segunda-feira, diziam, ambos os cenários (ratificação ou referendo) estariam ainda em aberto.
3ª feira às 16.00
Por volta das 16h00, começaram a chegar ao PÚBLICO informações seguras de que Sócrates já tinha tomado a decisão: o Tratado de Lisboa teria ratificação parlamentar.
Teatro puro. Alguém acredita que até ontem o Primeiro-ministro ainda não tinha tomado a decisão? Seria não só um absurdo como completamente implausível como decision making. Aliás, se fosse assim como é descrito, a leviandade seria absoluta, tudo feito em cima dos joelhos. Mas não foi, porque esta é uma matéria sobre a qual o Primeiro-ministro tem certamente, de há muito, tomada uma decisão. O que o jornal relata é teatro, desinformação, uma lenda urbana criada a partir do gabinete do Primeiro-ministro para nos passar a mensagem de que o pobre Sócrates queria muito cumprir a sua promessa eleitoral, só que o Presidente e os seus colegas europeus não o deixaram, agarraram-no à última hora, in extremis e ele, pelos mais nobres motivos, lá teve que violentar a sua vontade.

A manobra era tão evidente que ontem aqui eu comparava o Primeiro-ministro àqueles que gritam "agarrem-me senão eu mato" e, quando são agarrados, se verifica que não fazem força nenhuma. Quando o escrevi, a notícia dominante era a de que afinal ia haver referendo...

Há perguntas a fazer ao Primeiro-ministro, como há responsabilidades a pedir aos jornais. O Público, por exemplo, escreve:
Depois de ter ouvido as preocupações que lhe foram directamente transmitidas por alguns dos mais importantes líderes europeus, entre os quais o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e o Presidente francês, Sarkozy, Sócrates telefonou à chanceler alemã Angela Merkel, que também se manifestou contra a convocação de um referendo, tendo acabado por tomar ontem à tarde a "decisão final" e optado pela ratificação parlamentar.
Muito bem. Agora gostaria de saber em que datas o Primeiro-ministro telefonou a Gordon Brown, Sarkozy e Merkel, (a acreditar-se no jornal deveria ter sido nos últimos dois dias), ou vice-versa, e se estes dirigentes europeus tinham sido informados, e por quem, que em Portugal ia haver referendo, de modo suficientemente seguro para se sentirem alarmados e contactarem Sócrates. É que na vida real dos governos e da diplomacia, as coisas não se fazem na base de impressões, nem das leituras pelas embaixadas dos jornais. A ideia que nos querem transmitir, e que pelo menos alguns jornais acreditam, é que tudo corre entre governos e Primeiro-ministros como Sócrates, Sarkozy e Merkel ao estilo das conversas de café, estados de alma, decisões e contra-decisões, - no mesmo dia duas diferentes -, pressões e conselhos de última hora. Insisto, pensar que as coisas correm assim é do domínio das histórias da carochinha.

Tudo isto suscita uma ainda maior preocupação: que homem é este que nos governa que não hesita em enganar-nos de forma tão deliberada, com tanta desfaçatez, e desprezo pelos outros? É sem dúvida um homem perigoso.

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© José Pacheco Pereira
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