COISAS DA SÁBADO: ABSTRACÇÕES - MICRO EXEMPLOS DO REAL VERSUS A ASAE
O problema das abstracções é mesmo serem abstracções. Veja-se um exemplo concreto nunca previsto nos gabinetes. É um exemplo verdadeiro, do país real, do interior desertificado e envelhecido. É proibido vender nas mercearias de província milho a granel para as galinhas. O que era normal para milho, alpista, rações era estar o saco de muitos quilos aberto e o milho, ou a ração, ser vendido ao quilo. Não, diz a ASAE, o milho deve estar ensacado em sacos de cinco quilos e é o saco que deve ser vendido. Uma velha vizinha que assiste à cena comenta com humor: “Mas, ó meu senhor (o senhor era da ASAE a multar um pequeno supermercado), eu chego a casa e deito o milho ao chão para as galinhas, é para deitar para o chão não é para pôr no prato…” Mas não é só isso: “Como é que as velhas que vêm aqui todos os dias comprar um bocado de milho para as galinhas podem agora com um saco de cinco quilos? Só se acabarem com as velhas.” O director da ASAE promete ter isso em consideração, “acabar com as velhas”.
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Note-se que o governo é coerente: nem a unidose nas aspirinhas nem o milho a granel. Talvez o governo possa estender o estudo sobre a segurança das unidoses ao milho das galinhas!
(Ricardo Resende)
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Independentemente da eventual possibilidade de poder ser praticada uma cultura de zelo excessivo por parte da ASAE, permito-me questionar - a quem interessa anatematizar um organismo público que se preocupa em fazer cumprir as Leis da república, aparentemente, sem discriminações?
Esta obsessão normalizadora da tecnocracia europeia (que acabará na engenharia social para a criação do 'homo europeus'), por muito abominável que seja, não foi gerada pela ASAE, que é um mero órgão de polícia - um instrumento da administração nas mãos dos decisores políticos.
A ideia que agora parece ser defendida, até pela intelectualidade, de que o que está errado não é a Lei nem este modelo sócio-económico eurocrata e mercantil, mas sim a aplicação da norma é extremamente perigoso. Permite-nos considerar que seria correcto que os agentes da ASAE fossem mais "permeáveis", fechassem os olhos de vez em quando, tomassem aquela atitude mais ou menos cúmplice e discricionária que bem recordamos como típica de certos velhos guardas republicanos das aldeias, nos idos do antigo regime.
Quando todos clamamos durante décadas por uma polícia fiscal activa e actuante, defendendo os direitos dos contribuintes, eis que , logo que a ASAE se coloca em campo, rompendo com décadas de fiscalizações pachorrentas e esporádicas, parece ter sido constituído um comité que assaca à ASAE tudo o que de mal se tem legislado e todas as genuflexões dos nossos governos face aos ditames de uma elite de Bruxelas. Até o Presidente da República não se coibiu de ensaiar uma graçola de mau gosto sobre o zelo daquela autoridade de segurança. De mau gosto, porque está a colocar em causa a autoridade do Estado, das Leis que ele promulga, dos funcionários que a fazem aplicar e de toda o pacote euro-regulamentador que, também ele, tem embevecidamente acolhido.
É este o mesmo país que rejubila a acusar os funcionários públicos de corruptos, preguiçosos e incompetentes, mas que, quando um serviço público parece contrariar esse injusto estereótipo, se indigna e pede mais contenção. A ASAE seria boa e ninguém falaria dela se os seus agentes fechassem os olhos a troco de um prato de lentilhas, se só saissem do gabinete para ganharem ajudas de custo, se entrassem na roda de palmadinhas nas costas com os empresários, se garantissem a impunidade dos familiares, dos amigos e dos amigos dos amigos, etc. Ou seja, se se comportassem como - infelizmente - se parece comportar grande parte da classe política que forma o citado "bloco central de interesses".
Desde sempre recordo esta tendência lusitana para "matar o mensageiro". Talvez por cobardia, ou ignorância; ou ambas, que é o que mais se cultiva neste país de propaganda e fanfarronice. Em inúmeros casos, o cumprimento da Lei não só é evitado como ainda é tido como prestigiante, contribuindo para o estatuto individual do indígena. A polícia é sempre tida como sabotadora e algoz a soldo de normativos que ninguém indaga de onde vêm. Assim se circula a 200 Km/h na auto-estrada, se estaciona no meio das ruas, se vigariza o cliente, se engana o fisco - sempre com o maior despudor e com um orgulho que será alardeado entre os pares. É o respeito pelo próximo e a consciência social que não existem nem são educadas nas crianças, promovendo a oclocracia generalizada. Ou, como dizia Alberto Pimenta, em Portugal não existe uma sociedade, porque os portugueses não são sócios uns dos outros.
(Carlos Robalo)
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Acabem com elas sim, especialmente aquelas que comem a sopa de couve com chouriço (em vez do caldinho Knorr) e que, no fim, deixam a sobra para o outro dia no tacho em cima da fornalha, em vez de ir para o frigorífico (vejam lá, não há frigorífico). Não dêem paz a estes maus hábitos sanitários!