ABRUPTO

13.12.07


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VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 13 de Dezembro de 2007 (2)


Alguém lembra à jornalista da RTP que faz o relato da chegada dos signatários do Tratado ao Museu do Coches que uma manifestação e uns assobios não são uma "mancha" na alva brancura do acto cerimonial?

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Já não vale a pena sequer lembrar à RTP ( e admito que neste caso às outras estações) que o Tratado é um documento político, um documento político, um documento político, um documento político, um documento político, um documento político, e que não é suposto os jornalistas tratarem assim um documento político, um documento político, um documento político, um documento político, repetindo na sua voz e nas suas palavras sem distanciação o discurso dos políticos que o fizeram, coisa que não fariam em relação a nenhuma outra coisa, seja um programa de governo, um discurso de oposição, ou uma moção parlamentar. Repetindo todos os lugares comuns do discurso oficial como se fossem seus, os jornalistas abdicam da sua qualidade para se tornarem propagandistas.

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A sua nota sobre o "documento político", além de arrancar uns sorrisos (talvez porque um dos mistérios deste Universo seja qual a natureza do senso de humor de JPP), lembrou-me que aqui há uns anos estive em Glasgow pelo programa Erasmus e tomei contacto com a escola de pensamento dos escoceses referente à Teoria do Discurso. Significativamente mais interressante do que o que tenho visto por cá, baseada em princípios retirados de Foucault, com grande componente prática. Um dos professores, Hugh O'Donnell, tinha vários trabalhos de investigação publicados, incluindo uma análise do funeral de Diana, e tinha estabelecido algumas regras básicas de "spinning" utilizadas pelos Media ou pelos SpinDoctors que os tentam influenciar. Uma dessas regras era "nacionalização" do evento, o torná-lo uma questão de Nação e não de Governo. A força dessa idéia seria tão forte que se torna por um lado um pathos irresistível, e por outro cria uma ansiedade terrível nos órgãos que contemplam o não-seguidismo. No geral, o resultado seria que todos entrassem em linha. O argumento era exemplificado, por exemplo, com uma gravação que mostrava como o discurso do pivot no funeral de Diana - "o luto nacional, a multidão chorosa, as manifestações de saudade" - constrastava com as imagens que se víam - a festa, as máquinas fotográficas, os turistas.

Creio que por cá abundam casos (sendo Timor e o Euro2004 os que me vêm à cabeça como as grandes experiências de laboratório), mas talvez este tratado seja de certo modo o mais marcante porque sim - é um documento 100% político, uma cerimónia 100% política, que consegue o milagre de se furtar, pelo menos na televisão, aos usuais mecanismos de crítica democrática. Infelizmente, não tenho tido tempo para ver os jornais desta semana, não faço ideia se a imprensa afina pelo mesmo diapasão.

(Paulo Lourenço)

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