É interessante que tenha colocado no Abrupto o seu texto da Sábado sobre a guerra do Iraque e, logo a seguir, uma série de capas, duas quais são duas das três obras que formam a trilogia «Fundação» de Isaac Asimov (mais tarde, ele acrescentaria mais quatro livros à série). Esta trilogia toma como ponto de partida uma ciência, a psico-história, criada pelo matemático Hari Seldon, que vive numa época em que toda a galáxia forma um imenso império espacial. A psico-história, quando aplicada a grandes massas de seres humanos, permite prever a sua evolução e quando Seldon acaba de a desenvolver aplica-a ao próprio império. A conclusão que retira da teoria é que o império está condenado a desaparecer e que, após o seu fim, se seguirão 30.000 de caos, barbárie e anarquia. Mas a próprio psico-história também lhe dá uma maneira parcial de impedir isso: criando uma fundação (no sentido anglo-saxónico de «foundation», ou seja, base ou alicerce), num planeta e com uma população cuidadosamente escolhidos. As leis da psico-história prevêem que, ao fim de somente um milénio, toda a galáxia estará novamente unificada, desta vez governada pela fundação. A fundação, embora tendo um grande número de cientistas no seu seio, não teria psico-historiadores. De facto, nenhum dos seus membros saberia de que modo é que a fundação passaria de um único planeta para o domínio da galáxia inteira.
Consta que uma houve nos anos sessenta uma tradução para árabe da trilogia que teve uma edição pirata no Líbano. Essa edição viria a ser lida mais tarde por um jovem saudita no qual a ideia de um pequeno núcleo de pessoas ir crescendo até dominar tudo à sua volta, precisando somente de ser constituído no local certo e com as pessoas certas, parece ter deixado uma forte impressão. O jovem chamava-se (e chama-se) Osama bin Laden. Já agora, Al-Qaida significa «a fundação».
Não inventei nada disto. Fui buscar este rumor ao livro de Nuno Rogeiro «O Inimigo Público: Carl Schmitt, bin Laden e o Terrorismo Pós-Moderno».
(José Carlos Santos)
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Muito interessante a ligação que o seu leitor José Carlos Santos faz entre os textos de Asimov e a “Fundação” da Al-Qaida. É como se a chamada ficção científica, supostamente antecipando futuros, moldasse, pela sua simples enunciação escrita, a realidade de agora. O presente. Mas era de capas que se tratava. E não ficaria mal assinalar a razão pela qual são grandes aquelas capas (pelo menos as primeiras quatro). O seu autor é o hoje praticamente ignorado pintor surrealista Cândido da Costa Pinto (1911 – 1976) nome perdido na curta memória dos recolectores de nomes nas redacções das páginas de cultura dos jornais (ainda existem?) que, no que ao movimento surrealista em Portugal diz respeito, não vão além de Cesariny, António Maria Lisboa, António Pedro, Vespeira, e, com sorte, Fernando Azevedo, António Dacosta. Contudo, constrangido a trabalhos “menores” como as capas da Vampiro (trabalho até mais conhecido que as capas da Argonauta, sendo ambas as colecções da “Livros do Brasil”), nem por isso Cândido da Costa Pinto deixou de, neste suporte “pobre”, manifestar a originalidade e riqueza da sua arte, hoje injustamente ignorada sempre que se fala do nosso (aliás modesto) movimento surrealista.
Bolseiro da Gulbenkian (vistas largas, vistas largas, as desta outra “Fundação”), Costa Pinto teve um papel importante na dinamização do Grupo Surrealista de Lisboa, e expôs internacionalmente. Não era para todos, à época. Quando abriu o CAM, a colecção permanente tinha uma pequena tela do pintor em exposição, possivelmente menos expressiva (questão de gosto) que algumas das capas de livros que CAN (como assinava, envergonhadamente) pintava para ganhar a vida. Tempos estranhos, estes anos quarenta, em que os editores de livros “menores”, para “entreter” (policiais, ficção científica), se davam ao luxo de contratar homens desta qualidade para lhes fazerem as capas. A título de exemplo, o excepcional trabalho para a desinteressante obra da desinteressante (de novo uma questão de gosto) Agatha Christie – “Poirot Desvenda o Passado”. A capa está nos antípodas do conteúdo. E vale infinitamente mais. E valeria muito alguém lembrar-se de organizar uma retrospectiva possível da obra de Cândido da Costa Pinto (muita investigação a fazer, muito trabalho, muito gasto. Para um nome tão pouco mediatizado não deve ser grande estímulo). Ironicamente, em diálogo com o seu leitor de Asimov, talvez só a “Fundação” (estou a falar da nossa, aquela que tem sólidas ligações históricas ao Iraque) reúna capacidades para tanto.