A DEMOCRACIA, A LIBERDADE, A ORDEM PÚBLICA, A INTELIGÊNCIA, O GOVERNO E OS "VERDEUFÉMIOS" 7
Ouvindo o MAI ontem na SICN pareceu-me que ele estava a usar um preciosismo jurídico para justificar não ter havido detenções. Sempre que era perguntado por Mário Crespo como era possível fazer aquilo e não haver detenções ele respondia "para uma detenção se manter..." o que não era o que lhe fora perguntado. Os leitores do Abrupto juristas são claros em explicar o "jogo de palavras" do MAI:
Com a ressalva de que não sou um criminalista (à excepção de algumas incursões a que a profissão por vezes obriga) passo a apresentar o meu humilde contributo com base na leitura que faço da lei:
Efectivamente, o jogo de palavras do MAI no que respeita à detenção não parece inocente.
Senão, vejamos:
A) Sem grande rigor científico, podemos apontar a seguinte divisão de crimes:
Crimes públicos: Não carecem da apresentação de queixa. Esquematicamente: as autoridades tomam, por qualquer merio, conhecimento do crime, investigam e deduzem acusação contra o arguido.
Crimes semi-públicos: É preciso que a pessoa com legitimidade para o efeito (ofendido) se queixe para que o processo crime tenha início. Esquematicamente: o ofendido queixa-se, as autoridades investigam e deduzem acusação contra o arguido.
Crimes dependentes de acusação particular: É necessário que o ofendido apresente queixa e, depois, se constitua assistente no processo penal e deduza acusação particular. Esquematicamente: o ofendido queixa-se, as autoridades investigam e é o ofendido que vem deduzir acusação.
B) Aceitemos, por ora, a qualificação atribuída ao crime pelo MAI, que se refere à figura do "crime de dano". Vem o mesmo previsto no artigo 212º do Código Penal: "1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível. 3 - O procedimento criminal depende de queixa"
C) Estamos, assim, perante um crime punível com pena de prisão e cujo procedimento depende de queixa.
D) Passemos agora ao Código de Processo Penal que nos diz, no seu artigo artigo 255.º, em que casos pode haver detenção em flagrante delito por crime punível com pena de prisão.
"1 - Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão: a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção; b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a pessoa que tiver procedido à detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas na alínea a), a qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo 259.º 3 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada. 4 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor."
E) Não nos suscita grandes dúvidas que no caso dos eufémios estivemos perante uma situação de flagrante delito, definida no nº 1 do artigo 256º do Código de Processo Penal como " todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer"...
F) Em suma: Independentemente da qualificação do crime como público ou semi-público (a qual é, para este efeito, totalmente irrelevante!), parece-nos que a GNR deveria ter procedido à detenção de eufémicos, a qual só não se manteria se o agricultor não viesse a exercer, em acto a ela seguido, o seu direito de queixa. Mais: até qualquer pessoa poderia, tal como o prevê a lei ter procedido à detenção no caso vertente.
Não é correcta, assim, a apreciação do MAI. Até se dirá que é irresponsável que o próprio Ministro da Administração Interna lance para a comunidade (contra o que diz a lei) a ideia de que existe uma espécie de carta branca para livremente se praticarem crimes semi-públicos perante o olhar impotente de autoridades. E depois, quem quiser que se queixe!
(Pedro Oliveira)
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Ainda quanto à questão da detenção ou não dos “verdeufémios” e da natureza (pública ou semi pública) dos crimes praticados (e portanto da necessidade de queixa ou não), a mim, que não sou especialista, parece-me que para além da violação da propriedade privada e destruição de bens privados (crimes cujo procedimento criminal depende de queixa), estaremos adicionalmente perante outro tipo de crime: Trata-se de uma perturbação violenta e não autorizada da paz pública, tendo sido colectivamente cometidas violências contra a propriedade. Por outro lado, ainda que seja apenas um “movimento”, sem personalidade jurídica e com uma incipiente base institucional, poderá colocar-se a hipótese de estarmos perante uma associação criminosa.
Em qualquer dos casos, o procedimento criminal não depende de queixa. Logo, também por esta razão, não seria válida aqui a explicação do Ministro para a não detenção.
Vejam-se as definições legais (Código Penal):
“Artigo 302º Participação em motim
1 – Quem tomar parte em motim durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – Se o agente tiver provocado ou dirigido o motim, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3 – O agente não é punido se se tiver retirado do motim por ordem ou admoestação da autoridade sem ter cometido ou provocado violência.
Artigo 299º Associação criminosa
1 – Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 – Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 – Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.”
E já agora, quanto aos que apoiam a prática de crimes:
“Artigo 298º Apologia pública de um crime
1 – Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa por ter praticado um crime, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”