ABRUPTO

22.8.07


DA RETÓRICA MACRO (DAS "REFORMAS") À REALIDADE MICRO:
O CASO DAS ESCOLAS E DOS PROFESSORES (1)


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Não é verdade que em Agosto não se passe nada, bem pelo contrário. As escolas e os professores vivem situações dramáticas muitas das quais pouco têm a ver com qualquer reforma de per si, mas sim com medidas mal pensadas, atabalhoadas, incompetentes e por critérios que estão a atingir os professores com um rastro de reais injustiças, sentidas em primeiro lugar pelos melhores entre eles. O sentimento de injustiça é profundo e, em demasiados casos, justificado. Vive-se nas escolas um ambiente de cortar à faca.

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“…estão a atingir os professores com um rastro de reais injustiças, sentidas em primeiro lugar pelos melhores entre eles.” – Quem é que diz quem são os melhores? Acha que se trata de algo consensual? Acha que sistema de hierarquização dos professores que estava em vigor era justo e que portanto os que estavam “à frente” são os melhores? O que lhe posso dizer é que se é verdade que o concurso para professor titular trouxe injustiças, também o é o facto de algumas que existiam foram corrigidas (mais à frente desenvolverei esta ideia).

“Vive-se nas escolas um ambiente de cortar à faca.” – Como noutras situações bem disse, isto é apenas um soundbyte, propaganda. Haverá escolas onde ainda bem que ambiente é de cortar à faca porque isso se deve ao facto de se ter abanado um sistema caduco, outras em que se criaram problemas para além dos que já existiam e na maioria das escolas tudo está rigorosamente na mesma porque todas estas medidas reformistas mantém no essencial, tudo na mesma. Utilizando uma estratégia que é uma deformação profissional, digo-lhe: se tiver dúvidas sobre isto, pergunte-me que eu dou-lhe exemplos.

“…Muitos tem que interromper as suas férias e vir para as escolas onde têm que fazer escolhas instantâneas, …” – Tem a certeza? Não podem resolver via Internet?

“no concurso para professor titular os critérios são pouco rigorosos, abertos a todas as interpretações e mudaram já com o concurso a decorrer.” – Quando muito os critérios foram pouco rigorosos, isto porque o concurso para professor titular já acabou (o que não quer dizer que não tenha sequelas). Do resto da sua frase apenas fica o exagero que em literatura se chama hipérbole e aqui, demagogia.

“…vêem-se agora prejudicados por critérios ad hoc, escola a escola…” – Os professores com o perfil que apresenta foram prejudicados porquê? Passaram a ganhar menos? Foram ultrapassados por outros que não desempenharam cargos pedagógicos e não investiram na sua formação? Não é possível.

“(conheço casos em que o mesmo currículo especializado, graduações, mestrados, doutoramentos, é avaliado em diferentes escolas de maneiras completamente diferentes)” – Eu gostava muito de conhecer estes casos de que fala mas tenho a certeza que ia ficar desapontado porque só teria a certeza que o Pacheco Pereira fez uma interpretação incorrecta da história que lhe contaram. Mas conte!

Qualquer professor que dê aulas há quinze anos, o que acontece com os professores mais qualificados, vê-se ultrapassado facilmente por um professor com metade da sua experiência. – Suponho que o Pacheco Pereira não está a defender que o tempo de serviço é o critério fundamental para criar a hierarquia na classe dos professores porque se assim fosse nem valia a pena estar aqui a discutir o problema da avaliação dos professores. Se tivéssemos um sistema em que aquilo que alega (um professor com quinze anos de serviço ser ultrapassado por um com sete anos) acontecesse, isso seria um muito bom sinal, mas pode ter a certeza que isso não é possível. Nenhum professor com sete ou oito anos de serviço pôde ultrapassar um professor com quinze anos de serviço. Desafio-o a apresentar-me um caso. Vai ter que relativizar muito o conceito de “metade” e de “ultrapassagem”.

“Professores há anos no último escalão da profissão, com a carreira “congelada” por medidas administrativas, vêm-se empurrados para horários zero, sem qualquer componente lectiva, e, a prazo, afastados compulsivamente da carreira.” – Os professores no último escalão da profissão ficaram com a carreira congelada no momento em que atingiram essa condição. Desses, aqueles que não conseguiram entrar para a categoria de professor titular ficam ainda “à frente” de todos os outros da categoria “não-titular” e portanto o desemprego só lhes baterá à porta depois desses terem abandonado a profissão.

Haveria até alguma justiça se os professores que refere fossem de facto empurrados para o fim da hierarquia porque, salvo algumas excepções (e que realmente são profundas injustiças), só ficaram nessa situação docentes que nos últimos sete anos de trabalho não desempenharam cargos pedagógicos e/ou não foram razoavelmente assíduos em pelo menos cinco desses sete anos.

“A hierarquia é necessária, mas há aqui uma perversão dos critérios de mérito de qualquer hierarquia na função pública.” – Então diga lá quais são os critérios para estabelecer essa hierarquia. Nos seus textos só deixa antever que considera a experiência profissional um critério muito importante. Mas esse critério era praticamente absoluto até agora e com esta pretensa reforma apenas se juntam mais uns factores de mérito (discutível, eu sei) que em nenhuma altura se podem sobrepor ao sacrossanto “tempo de serviço”. Quando por ventura a hierarquia existente é posta em causa cai o Carmo e a Trindade porque é uma grande injustiça.

“Trata-se de casos em que os professores têm pura e e simplesmente razão...” – A razão que dá agora ao descontentamento dos professores soa agora a frete político uma vez que as queixas dos sindicatos dos professores são aquelas que já faziam quando o ministro era um seu amigo e correligionário.

(Cândido Pereira, Professor de Ciências)

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Concordo consigo quando diz que têm vindo a ser tomadas acções que visam afastar os docentes mais experientes das escolas, mas discordo do motivo: não creio que estas escolhas sejam feitas apenas para poupar dinheiro; infelizmente, uma dúzia de anos de trabalho para o estado, sem vínculo, converteu-me às teorias da conspiração.

Considere o seguinte: os professores mais experientes são também aqueles que, além do que disse, tendem a ter uma formação acadêmica de índole científica, em
oposição aos mais novos que, na sua maioria, são produtos dos departamentos de educação, sejam das universidades ou das verdadeiras aberrações que são hoje as "escolas superiores de educação" (pareço estar a sofrer de uma falta temporária de maiúsculas). Estes professores mais velhos tendem a ter Licenciaturas pré-bolonhesas em Matemática, Física, Química, Português, etc., em vez de "ensino de...".

Antes da hecatombe de Bolonha, estes cursos davam a quem estivesse neles para estudar, uma base sólida de conhecimento científico (aliás reconhecida, por exemplo, por universidades de topo dos EUA, que consideravam o nosso ensino pré-graduado "muito bom").

Ora, no que hoje é o nosso "sistema de ensino", tudo isto são defeitos. Professores com conhecimentos científicos sólidos têm hábitos desagradáveis: exigem mais dos alunos (logo aumentam o "insucesso"), argumentam melhor contra as ideias peregrinas do ministério, vêm claramente a farsa do negócio milionário das "acções de formação",etc. São incómodos.

Eu não estou no que hoje passa por ensino não-superior em Portugal, mas vejo os efeitos que este teve sobre os que saem de lá: os piores são analfabetos funcionais, os melhores (e isto é terrível para o nosso futuro), são uma sombra do que poderiam ser.

A acrescentar a isto tudo, e para terminar, também concordo com a sua descrição do ambiente que se vive: acho incrível que 30 anos de "democracia" tenham gerado chefias infladas de má-fé, carreirismo e desonestidade, e que apenas parecem conseguir actuar através de golpes de corredor...

O futuro não se me afigura muito bonito...

(João Carlos Soares)

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Acabo de Ler o texto/comentário do meu colega de ofício, João Cândido Pereira, Professor de Ciências. O texto em causa espelha dois aspectos preocupantes: (i) uma total ausência de qualquer ideia de fundo de quem contesta as opiniões de JPP e só vê nelas demagogia e decifra quase nada no enorme volume de demagogia, estupidez, irresponsabilidade e cinismo com que os ministérios da educação, e este em particular, atolam o sistema; (ii) este tipo de opiniões ao serviço de causas políticas que se encavalitam na dignidade de se ser professor hoje no ensino básico e secundário em Portugal (numa postura que é claramente contra a identidade social-democrata de JPP, legítima como qualquer outra) acaba por provocar aquilo que isola os professores e os seus problemas do pluralismo democrático, silencia-os no decisivo espaço público, e atirando-os para os braços de radicalismos dogmáticos, tipo Ana Benavente ou Maria de Lurdes Rodrigues. Felizmente que David Justino foi «suave», pois se não melhorou muito como era sua obrigação, pelo menos não estragou tanto. Em vez de aproveitar a abertura do espaço mediático - como é o caso do ABRUPTO - para democratizar o ensino e torná-lo um espaço onde a pluralidade de opiniões se torne a via mais eficaz para travar as barbaridades que cada um que chega ao ministério decide «implementar» sem qualquer preparação ou conhecimento sério e ponderado da realidade escolar, com opiniões «arrasadoras» como as do professor João Cândido Pereira temo pela futuro da qualidade que resta ao sistema de ensino. Aposto que João Cândido Pereira, mais do que da experiência empírica de professor que provavelmente terá, o que o moveu neste seu texto foi a sua grande alma socialista. E é das seguidistas. De tão veementemente árida, torna-se acrítica.

(Gabriel Mithá Ribeiro)

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A última tendência (talvez se justificasse o plural, pois foram tantas em tão pouco tempo) da política educativa portuguesa teve várias consequências, já abordadas no Abrupto. Em primeiro lugar, há uma desvalorização da formação científica dos professores em detrimento da formação "pedagógica". Por esse motivo se abordou a hipótese de colocar mestres em ciências da educação a leccionar várias disciplinas. Mesmo não tendo um sólido conhecimento científico na área das disciplinas que váo leccionar. Há pessoas no ministério que acreditam que o importante é saber "ensinar a aprender", "guiar" os alunos na "descoberta e na construção dos saberes e na aquisição de competências." Como se fosse possível ensinar no vazio.
A desvalorização da formação científica é bem notória nos currículos dos cursos da área de educação (Escolas Superiores e algumas Universidades). Neles, o peso das cadeiras científicas é menor do que nos currículos das universidades tradicionais e o das cadeiras dedicadas às ciências da educação, pedagogias, didácticas e afins é muito maior. O resultado é óbvio: professores que (teoricamente) sabem ensinar, mas que não sabem o que ensinar. E este aspecto tem consequências até a nível disciplinar: quando um professor se mostra inseguro do seu conhecimento ou revela mais do que uma vez falhas que os alunos detectem, começa a ser posto em causa. Perde autoridade, ganha fama de inseguro ou mesmo de incompetente. Os alunos ainda acreditam que os professores devem saber tudo e não aceitam bem um professor que não saiba muita coisa).
A pior consequência, porém, verifica-se a longo prazo. À medida que os professores com mais conhecimentos científicos vão abandonando o ensino (pela idade ou porque simplesmente optam por outra via profissional onde sejam mais valorizados), ficam os outros. Que ensinam menos, por muita vocação que possam ter. E são alunos pior preparados que começa(ra)m a chegar ao ensino superior. E de lá sairão para ensinar também. O ciclo torna-se vicioso e difícil de travar, com graves custos para o país.

A propósito de teorias da conspiração, uma bem curiosa, que já ouvi várias vezes: um ensino mau e sem exigência, que atribui diplomas (de 9º ano, de 12º ano ou outro qualquer) sem que o aluno tenha a formação adequada (veja-se a proliferação de cursos EFA e CEF) é apenas uma forma subtil (!) de produzir mão-de-obra não especializada, barata e incapaz de pensar e se defender. Logo, mais fácil de convencer pela propaganda, pelas instituições de crédito, por quem lhes apresenta contratos de trabalho ou por quem os emprega sem um contrato de trabalho. Não houve recentemente um ministro que valorizou os nossos salários baixos?

(Paulo Agostinho)

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Sou Professor do Ministério da Educação e encontro-me há 16 anos em situação de destacamento nominal numa Cooperativa com Multideficientes. Tenho sido constantemente reconduzido. Este ano em Maio a situação manteve-se, a Escola onde sou efectivo autorizou o meu destacamento, a Cooperativa concordou e os documentos foram enviados para o Ministério da Educação, pois este queria ter o processo concluído até 15 de Junho. Este ano o Ministério não autorizou a entrada de mais professores destacados. Ficavam os que estavam (5).

Entretanto em Julho abriram os concursos para os Professores Titulares, e 4 dos destacados concorreram, tendo entrado no quadro de Professores Titulares três. Na lei que entretanto saiu, quem ficasse Titular perderia de imediato o destacamento. A Cooperativa ficou em pânico, pois o ano Lectivo para as crianças deficientes irá ficar
completamente comprometido. Como é que o Ministério não tinha previsto uma situação destas? Em Maio pedia rapidez no processo com os Destacados, só podendo ficar os que estavam, e em Julho a Lei muda tudo. A Cooperativa informou-os da situação, por carta com aviso de recepção, em Julho, mas não houve qualquer tipo de resposta. Daqui se ,concluiu que o Ministério desconhece por completo a situação dos seus professores destacados. Enquanto lhe dá jeito para os manter num local onde a maior parte dos docentes não quer trabalhar (com Multi-Deficientes Profundos) reconduz estes professores. Quando resolve fazer uma reforma, fá-la por metade, e esquece-se que estes Professores que estão lá há anos estão no topo da carreira. A situação neste momento é desesperante para a Cooperativa, já foram enviadas inúmeras cartas para o Ministério a denunciar a situação, mas nãohouve até agora qualquer tipo de resposta, que dê uma solução para o problema. Muitos dos projectos que tínhamos planeado para o próximo Ano Lectivo tiveram de ser anulados, e isto tem graves implicações no trabalho que temos vindo a desenvolver com este tipo de crianças, podendo vir a comprometer muitas delas para o futuro. Não era assim,
de uma forma tão abrupta que gostaríamos de acabar com os nossos destacamentos. Ao longo destes 16 anos nunca ninguém do Ministério apareceu para nos avaliar ou para nos perguntar se precisavamos de alguma coisa. Entretanto a Cooperativa recebeu um fax no dia 14/08/2007, assinado pela Chefe da EMPAAG, Júlia Ribeiro, a informar que por despacho do Secretário de Estado da Educação, de 06/08/2007
tinham sido autorizados os destacamentos até 31/08/2008. Os serviços administrativos tentaram confirmar através do telefone do Ministério a veracidade deste Despacho e foram informados de que o Ministério desconhecia a situação.

Neste momento os professores estão na situação de se terem de apresentar ao mesmo tempo na Escola e na Cooperativa, sob pena de levarem faltas injustificáveis caso não o façam. Isto representa o Ministério no seu melhor! Para o Ministério há alunos de primeira e alunos de segunda!

P.S.: ao contrário das Escolas do Ensino Regular, no Ensino Especial os Docentes só têm 1 semana de férias no Natal, não há férias do Carnaval, da Páscoa e trabalha-se até ao dia 31 de Julho com os alunos. Por gostarmos muito do que fazemos é que estamos lá há tanto tempo, e deu muito jeito ao Ministério, porque não sabe o que fazer com os deficientes.

(Miguel Miranda)

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