ABRUPTO

10.7.07


POLÍTICA DO UPSTAIRS / DOWNSTAIRS

Nos partidos também há um upstairs e um downstairs cuidadosamente separados, mas servindo-se mutuamente. Uma regra não-escrita que existe na política portuguesa é que quando alguém aparece como ganhador antecipado, como depositário "natural" do poder, arrasta atrás de si uma espécie de "união nacional" constituída pelos habitantes do upstairs. Os upstairs não têm problemas em "comprometer-se", mesmo em participar nas listas, o que recusariam em qualquer outro caso, e em permitir que os seus subordinados e empregados apareçam "a dar a cara" pelas listas de "prestígio", ou seja aquelas que estão ou no poder, ou na antecâmara do poder. Noutras ocasiões, proíbem-no liminarmente, ameaçando que o "seu futuro na empresa pode ser prejudicado pela exposição política que nos traz, a si e à empresa, que tem que negociar com o governo" (palavras verdadeiras). Esta é uma das razões, não a única claro, porque é muito difícil a um partido na oposição ter membros do upstairs, ou do meio das escadas, como seus porta-vozes, em particular, em áreas como a economia, e as finanças. Ficam-se apenas pelos pequenos empresários e pelos comerciantes, os downstairs da hierarquia vitoriana das mansões da economia fina e do brilho social.

Quando não está em causa o poder de cima, ou seja quando pouco mais está em causa do que o emprego nos quartos das criadas e nos jardins, e no máximo o de governanta ou de mordomo, é o downstairs que se move furiosamente. Eles sabem que não tem lugar nos andares de cima, mas no pacto implícito da casa são eles que "mandam" nos de baixo, desde que não interrompam o serviço aos de cima. Só que às vezes há perturbações, patrões fracos, vazios no poder, crises de sucessão, mortes, heranças. Então o downstairs sobe as escadas.

O caso interessante, e relativamente anómalo, da última gestão camarária de Carmona Rodrigues foi o de, sendo uma candidatura vitoriosa, ter arrastado consigo apenas o downstairs, ainda por cima em plena guerra civil, que já lavrava em baixo. Carmona viu-se na situação de estar nos quartos de cima com a tribo de baixo, lutando quarto a quarto, sala a sala, pelo armário das bebidas, pelas poltronas, pelo piano, pelo guarda-vestidos da senhora e da menina. O resultado foi o que se viu, a casa veio abaixo com todas as histórias habituais: assessores, clientelas diversas, partidarização, ou seja, fome pura e simples.

O upstairs em 2005 ligou-se a Carrilho, e depois arrependeu-se, mas já era tarde. Agora corre para António Costa, repondo a regra e acabando com a excepção. Costa é o poder, o poder no governo e na secção de Lisboa do governo, que é o que vai ser a Câmara de Lisboa, cuja única "independência" será a que vem da agenda própria de Costa. Por isso, Costa ajudará a consolidar todos os interesses do upstairs de Lisboa, como já se vê com completo despudor. Noutra candidatura, que não a do upstairs, já teria havido grosso escândalo. Aqui não, respeitinho é o que domina. Beneficiando do silêncio, hoje apanágio dos poderosos, Costa já está a fazer a sua comissão de candidatura a Primeiro-ministro, até porque ele conhece, melhor do que ninguém, as fragilidades do edifício de Sócrates.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]