ABRUPTO

25.5.07


COISAS DA SÁBADO:
DEBATES POUCO PLURAIS E CONDICIONAMENTO DA OPINIÃO

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O último Prós e Contras sobre Lisboa foi um exemplo de como é possível fazer um programa mau, confuso e politicamente muito pouco pluralista. Digo isto, como o mesmo à vontade com que muitas vezes elogiei o programa. Mas este último foi de facto um case study de como se pode fazer tudo mal, com a agravante de se estar praticamente em pré-campanha e por isso haver claras incidências políticas no modo como o programa gere “evidências” como a atribuição implícita da crise da cidade às peripécias da presidência Carmona Rodrigues como se essa crise só com ele emergisse do nada. Se houvesse pluralismo no Prós e Contras alguém se teria incomodado com esta ideia, tão útil para a campanha dos dias que correm, quanto falsa.

O pluralismo num programa de opinião não está em colocar um do PS, outro do PSD e por aí adiante, como pensa a ERC. Está em retratar as fracturas de opinião realmente existentes, e essas não vieram a um programa que ironicamente se chama Prós e Contras e é o mais importante programa de debate da televisão pública. Por exemplo, o Arquitecto Ribeiro Teles não tem críticos das suas posições sobre a cidade? Certamente que tem, igualmente qualificados, porque há quem veja os problemas da cidade de forma diferente, o arquitecto Graça Dias por exemplo, o “homem que gostava das cidades”. Paulo Varela Gomes, cujo artigo tremendista foi claramente o mote do programa pelo fascínio que exerce o radicalismo simples das análises, não tem quem dele discorde de fundo? Se houvesse pluralismo haveria quem escavasse um pouco mais no artigo que deslumbrou a sala e veria que ele era omisso, por razões ideológicas, na referência aos factores principais da degradação da cidade que estão muito para além da crise actual. Por exemplo, quando se invectiva o transporte em automóvel privado a favor do transporte público e não se fala da responsabilidade da legislação salazarista-socialista sobre o arrendamento urbano, talvez o factor singular mais grave da decadência da cidade, percebe-se que há uma opção ideológica que não se revela e não se discute.

Os absurdos elogios a Duarte Pacheco não passariam o escrutínio simples de quem soubesse um mínimo da história do Estado Novo e explicasse que o que ele fez só era possível em ditadura e com a subordinação da propriedade privada não à cidade, mas a uma cidade monumental de inspiração nas obras públicas do fascismo italiano. É isso que querem? Grandes avenidas, bairros sociais, estádios “nacionais”, urbanismo imperial, e exposições coloniais? Se calhar é ainda este modelo o que inconscientemente povoa os sonhos de grandeza da esquerda e da direita.

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Pergunta se o Arquitecto Ribeiro Teles não tem críticos das suas posições sobre a cidade: Tem-los obviamente. Só que esses, não perdem tempo a refutá-lo já que têm vindo a fazer desde sempre na cidade, tudo aquilo contra o qual ele luta.

Como pode achar absurdo que se elogie o único Ministro das Obras Públicas que deixou obra realmente pública para o público? “O que ele fez só era possível em ditadura e com a subordinação da propriedade privada não à cidade, mas a uma cidade monumental de inspiração nas obras públicas do fascismo italiano”? O que há de “monumental” nas casas do Bairro da Encarnação, de Alvalade ou do Restelo? Eu só vejo qualidade. Uma qualidade arquitectónica e urbanística que poucas intervenções posteriores conseguiram igualar. “Bairros sociais, estádios “nacionais”, urbanismo imperial, e exposições coloniais”? Se quer comparar a qualidade de bairros sociais do Estado Novo com bairros sociais feitos em caixotes de betão do Estado Democrático, temo que sairá decepcionado com a sua aposta – basta que visite Chelas ou a Ameixoeira para constatar o facto (e já que fala no “homem que gostava de cidades”, relembro-lhe que também ele faz a apologia desses bairros berrantes); quanto a Estádios, prefere o vergonhoso despesismo e assalto ao erário público trazido pelos
Estádios do EURO (muito clubísticos e nada nacionais, por sinal)? Eu não.

Quanto ao urbanismo imperial, deve detestar Viena pela “imperialidade” do seu urbanismo, certo? Eu não. Em relação a exposições coloniais, pelo menos da primeira, ficaram-nos jardins, o Padrão dos Descobrimentos, um museu de Arte Popular (que agora querem eliminar) e muito espaço público. Compare-se agora esse evento com a mais recente exposição do Estado Democrático chamada EXPO 98 e diga-me o que surgiu de verdadeiramente público? Eu digo-lhe: pouco. Muito pouco. Porque o que se pretendeu realmente, foi potenciar especulação
imobiliária. É isso que temos e não vai terminar por aqui.

Perdoe-me a arrogância, mas sugiro-lhe que se se informe melhor acerca de arquitectura e urbanismo para que não apregoe estereótipos do género “lá estão os saudosistas da arquitectura fascista”. Não há arquitecturas fascistas, imperiais, ditatoriais, de esquerda, ou de direita: há bom e mau urbanismo; os últimos 30 anos de Estado Democrático (?) têm-nos dado muito do segundo. E nem é preciso passear por toda a Costa Portuguesa para perceber isso: basta ir ao Algarve...

(Miguel Ferreira Rodrigues, Arq.)

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