ABRUPTO

8.4.07


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Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;

não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Sá de Miranda


ando enredado, confesso,

em pontos de introspecção
e às vezes sinto que em vão
em mim mesmo me atravesso.
é certo que nunca meço
uma angústia até ao fim,
há sempre um não contra um sim,
como sombra que não passa,
e assim, e por mais que faça,
comigo me desavim.


dizia santo agostinho

que se via dois em um,
e sem espanto nenhum
viveu duplo e sozinho.
fez a ideia seu caminho
vindo agora ter comigo.
não creio seja castigo,
todavia se presumo
que a dialéctica é fumo,
sou posto em todo perigo.


e é certo que, nesse caso,

todo a penar me esguedelho,
tendo no verso um espelho
que a mais versos me dá azo.
enquanto os faço me atraso
e a solução não consigo
a olhar o meu umbigo,
a ver nele que são dois
sem contentamento, pois
não posso viver comigo.


fica um eu no rés do chão

e outro no primeiro andar.
às vezes podem trocar
nessa coabitação.
levo uma vida de cão,
de companhia e mastim,
ladra-me um assim assim
e enquanto o outro me morde
nem posso sentir-me um lorde,
nem posso fugir de mim.

(Vasco Graça Moura)

*

Um poema inédito para os leitores do Abrupto. Bom dia!

(url)

© José Pacheco Pereira
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