Uma carta da arquitecta Maria João Rodrigues dirigida à RTP sobre o programa Prós e Contras ( e publicada no Abrupto) levanta uma questão (mais uma) a somar a outras no debate da OTA:
Neste debate foram escandalosamente ignorados urbanistas de origem diferente da dos engenheiros, como, entre outros, arquitectos e geógrafos. Foram também afastados do debate economistas e gestores, sociólogos e peritos em demografia, para apenas falar das áreas profissionais que o grande público conhece. Foram igualmente esquecidos responsáveis de organismos do Estado, fulcrais no debate e na decisão de todas as questões relacionadas com o NAL e inevitavelmente envolvidos nesta matéria, como, entre outros, os da DGOTDU, das autoridades militares e das relações internacionais e ibéricas.
Esta questão é mais que pertinente, até porque reduzir os "especialistas" aos engenheiros já se viu que desemboca numa fractura entre os que estão já comprometidos com o projecto, ou com as empresas e departamento que o patrocinam, e os que o contestam. Os argumento técnicos dos engenheiros a favor e contra acabam por dar a sensação de soma zero ao comum dos mortais, o que pode desiludir os que acham que estas questões são "técnicas" ou de "especialistas". Não, estas questões são, em primeiro lugar políticas, e só depois técnicas na sua execução. São políticas pela razão principal que é uma ideia do futuro de Portugal que as move (escolhendo entre vários "futuros") e um modo de vida dos portugueses (escolhendo entre vários "modos de vida", com suas vantagens e custos).
Não sendo ouvidos urbanistas, arquitectos, geógrafos, economistas e sociólogos, o que deixa de ser discutido é o "impacto humano" da OTA, o que é bizarro já que tão cuidadosos somos com o seu impacto "ambiental" nos sobreiros e nas aves. E os homens?
MEGALOPOLIS (2)
É que não é preciso ter qualquer poder de advinhação ou sequer conhecer os planos secretos do munícipio de Alenquer que foram publicados à revelia dos seus autores, para perceber o que se vai passar: vai existir uma megalopole gigantesca, que estenderá o pior dos subúrbios lisboetas até ao Sul de Santarém, à volta, ao lado, acima e em baixo do aeroporto. O plano secreto de Alenquer já se conhece, mas não custa perceber que de Rio Maior para baixo muitos autarcas estão agarrados à OTA como a grande oportunidade de garantirem que os seus concelhos passam a ser periferias de Lisboa. Uns mais em segredo, outros ás claras, vêem na OTA a grande esperança para aquilo que sempre considerarm o "progresso": urbanizações, construção civil, "parques industriais" e serviços de baixa categoria. Ou seja a Lisboa dos subúrbios, de Loures, Sacavém, Camarate, Brandoa, Sintra, Amadora, dormitórios, abarracamentos, armazéns, sucatas, fabriquetas, entrepostos de camionagem, o habitual caos do nosso inexistente ordenamento, crescerá exponencialmente. E na esteira desta grande "esperança", compradores anónimos ou por interpostas pessoas estão a comprar propriedades agrícolas, a fechar com portões antigos caminhos de passagem, a preparar-se para drenar áreas húmidas, e não é para a agricultura é na esperança, quase certeza, que os municípios da região passem grande parte das terras inscritas nos PDMs dos seus concelhos da reserva agricultura para a urbanização acelerada.
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Um interessante anúncio no «JN» de 2 de Dezembro de 2005. (C. Medina Ribeiro)
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Ainda sobre o NAL, enviei para o blog Miniscente este texto que refere o que observei na DGOTDU em 98-99 como Chf. Div Estudos e Planeamento – e que realça os logros da argumentação actual. Para simplificar, diria que não são, nem o nº de m3 de desaterros, nem as aves, os sobreiros, ou outras as razões para ‘esquecer’ Rio Frio, evitar enfrentar soluções zero e optar pela Ota. Apesar de muitos argumentos técnicos, a verdade (ocultada) é a de que o NAL na margem sul arrastará para lá poder regional e autárquico, peso populacional /turístico/ contribuinte/ eleitor. Note-se, contudo, que o PROT da AML lançou posteriormente (2002-03) a ideia de que no estuário do Tejo as 2 margens deveriam contribuir em projectos de desenvolvimento regional e investir em sinergias concertadas. Mas ninguém fala disto porque é demasiado ‘culto’ para uma discussão que se pretende plácida e equivocante:
As razões 'políticas', como as classifica o actual Ministro, são quase inefáveis (em todos os governos...) porque 'politicamente incorrectas' - como, aliás, tudo o que respeita a afirmações rigorosas (as do INE, fundamentalmente) sobre:
- dados populacionais v. nº habitações devolutas - com implicações no 'progresso' do sector da construção civil;
- VAB e PIB per capita por NUT II e NUT III - com implicações nas verbas para sub-regiões e autarquias;
- valores comparados dos dados populacionais por NUT II (as 5 regiões plano), com implicações nas verbas que ainda vêm do QCA.
Tentando responder ao seu pedido, mas sem denunciar o meu estatuto de ex dirigente da AP (Ch.Div. de 1999-2003 - comprovável no anterior site da DGOTDU) e assinando apenas como MJE escreveria, a título de comentário, este texto:
“Sobre “A estranha obsessão da Ota” ocorre-me dizer o que, em 1999, referiam alguns dos especialistas (entre outras, das áreas de demografia, sociologia urbana, logística e transportes) que estudavam as propostas da Ota v. Rio Frio.
Falavam de algo que traduzirei livremente como sendo um dilema político-demográfico, mais do que logístico-técnico.
Ou seja, em termos de demografia urbana e de simbologia das escolhas turísticas - veja-se Carmelo, “Órbitas da Modernidade”, 1.6.2 e) - 'Fluxo de viajar', p116 e 1.6.3 c) – “O sujeito global entre fluxo e refluxo”, p127 – poder-se-á considerar que a implantação do aeroporto na margem norte do Tejo virá acrescentar população temporária à área norte da NUT Lisboa e Vale do Tejo e, consequentemente, à cidade de Lisboa que carece de movimento cosmopolita para contrabalançar o peso (europeu e turístico) de Madrid e poder vir a ser considerada uma metrópole europeia. Efectivamente, na actualidade, com os apenas cerca de 600.000 habitantes residentes/nocturnos (800.000 a 1.000.000 diurnos), Lisboa tem reduzido poder de atracção, apesar do folclore urbano que lhe poderá vir a ser incutido com eventuais alterações lexicais tipo Allgarve (Llisboa, L.lisboa, e.Lisboa, Lis.Boa?) Ao contrário, a implantação na margem sul dará origem, nesse território, a um desenvolvimento exponencial da especulação imobiliária e dos valores demográficos e diminuirá o peso institucional dos 'lugares' oficiais e simbólicos da cidade de Lisboa, que se encontram (quase) arruinados. Quanto à localização racional para o aeroporto em termos logísticos (onde transdisciplinarmente não se poderia negar a pertinência da demografia) e técnicos, dever-se-ia optar pela margem sul num novo terreno (do Estado) que agora parece surgir em Alcochete...”
MJE
E sobre a barbárie a que (parece) fomos remetidos pelas formas da cultura que nos impingem (apesar das territorialidades que transgressoramente criamos), permita-me que acrescente uma reflexão sobre o pensamento de autores que admiro (e que incluí num livro intitulado “O Preconceito nas Formas da Cultura”, 1998-2007):
1ª - “(…) da aceitação implícita de novos poderes simbólicos no conteúdo da cidade, resultam também novas territorialidades que remetem para formas crescentes de autonomia dos cidadãos contra o Estado e implicam um maior distanciamento do que Jacinto Rodrigues designa por a insolente permanência do ídolo Cidade” (1)
2ª - “Com a convicção da existência desta diversidade de territorialidades a explorar, proporcionada pelos novos domínios do espaço virtual, onde a liberdade parece mais viável do que no mundo real, alude-se ao pensamento de Castoriadis para quem: resta-nos a barbárie, que só será uma alternativa, desgraçada, se não escolhermos a democracia e a autonomia contra o Estado” (2)
(1) Rodrigues, Jacinto - Urbanismo e Revolução, Afrontamento, 1975, p 9
(2) Castoriadis, Cornélius - A imaginação radical e as encruzilhadas da civilização contemporânea Festival do Imaginário, Abrantes, Novembro 1996
(MJE/MJR)
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É óbvio que a questão da Ota é antes de mais uma questão eminentemente política dado que actualmente a engenharia moderna é dotada de conhecimentos que possibilitam a implementação de grandes infra-estruturas em condições altamente desfavoráveis. A questão que se põem é dos custos associados a uma ou outra escolha.
É importante assinalar que, os técnicos, em especial engenheiros e peritos de aeronáutica, devem ter neste processo um papel determinante de forma a poder “aconselhar” os nossos políticos sobre quais as soluções economicamente e tecnicamente mais viáveis. Gostaria depois de dizer que acho bastante importante que neste processo, e dado tratar-se de uma obra “robusta”, que todo o cidadão fique com a sensação que a localização de tal obra se deve exclusivamente a critérios de fiabilidade sob as mais diversas valências. Por isso acho que o governo deveria dizer com clareza quais os parâmetros que vão regular esta mesma localização e o que é que se pretende com o projecto em causa. Isto não foi feito. Existe neste processo grandes incertezas e riscos associados. Criem-se portanto critérios de escolha objectivos e rigorosos, e que o comum mortal possa ter acesso a estes mesmos objectivos. Depois procedam-se a novos estudos, com as condições actuais e que este processo seja aberto e sem subterfúgios. Parece evidente que é necessário um novo aeroporto e quando falo em novos estudos não se pense que quero ver adiadas decisões estratégicas. Agora o que eu penso é bom senso nos critérios que presidem à escolha da localização de tão importante obra.