ABRUPTO

27.3.07


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: nOTAs

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Carta enviada à RTP 1:
Assisti ao “Prós e Contras” (P&C) de ontem onde o tema (OTA - Debate Técnico) foi anunciado pela RTP deste modo: “Depois do debate político, têm a palavra os engenheiros. (…) O “Prós e Contras” reúne os engenheiros portugueses para o maior debate técnico sobre a Ota.”

Ignoro se este programa conduzido pela jornalista FCF é idealizado por uma equipa multidisciplinar. Todavia, no site da RTP verifico que ele é considerado “um fórum de debate alargado, com especialistas e decisores”, onde “A discussão parte de uma sondagem da UCP”, sendo o programa “ilustrado por reportagens” e contando “com a participação dos correspondentes da RTP no estrangeiro”.

Apesar de ter em grande consideração o profissionalismo do actual Bastonário da Ordem dos Engºs (OE) que, nesta, como noutras intervenções na RTP, se esforçou por utilizar um discurso cordato, venho lamentar que a própria ‘ideia’ do tema deste P&C tenha sido atingida, desde logo, por uma falta de transdisciplinaridade que é imperdoável no actual panorama cultural global.

Esta falta originou a interpelação exclusiva à classe do eng.ºs como detentora de uma (suposta) autoridade para responder a todas as questões (erradamente classificadas como técnicas) implicadas na decisão sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL).

Neste debate foram escandalosamente ignorados urbanistas de origem diferente da dos eng.ºs, como, entre outros, arquitectos e geógrafos. Foram também afastados do debate economistas e gestores, sociólogos e peritos em demografia, para apenas falar das áreas profissionais que o grande público conhece.

Foram igualmente esquecidos responsáveis de organismos do Estado, fulcrais no debate e na decisão de todas as questões relacionadas com o NAL e inevitavelmente envolvidos nesta matéria, como, entre outros, os da DGOTDU, das autoridades militares e das relações internacionais e ibéricas.

As questões do desenvolvimento geoestratégico de Portugal (que neste P&C pareciam resumir-se à rivalidade aeroportuária entre Lisboa e Madrid) não foram sequer mencionadas e, mesmo as referências à supremacia espanhola foram afectadas pelos habituais e vulgares sorrisos que ocultam problemas endémicos de falta de cooperação, que classificaria como monumentais erros de alcance europeu e global.

Atentamente
Maria João Rodrigues, arqª
*

O Prós & Contras de ontem foi, apesar de tudo, um programa bastante esclarecedor quanto ao problema do aeroporto da Ota. Vejamos. No domínio técnico ontem ficou claro que os engenheiros não se entendem. Não propriamente em relação à exequibilidade da obra (embora haja pormenores técnicos discutíveis) mas sobretudo em relação à certeza encenada de que a Ota é o único sítio tecnicamente viável. O que ontem também ficou claro é que nos relatórios preliminares é possível aos consultores «corresponderem» às expectativas de quem os consulta. Não sejamos ingénuos. Isto é mesmo possível. O que significa que é possível minimizar impactos negativos para que uma solução seja considerada a solução em detrimento de outras. Digamos que a consultoria consegue oferecer um serviço tipo «engenharia à la carte» mesmo sem nunca largar o rigor científico que se exige. É claro que isto não é verdade. Mesmo sendo. Assim, a discussão sobre o aeroporto da Ota deve ser recentrada no seguinte ponto de partida: o governo decidiu fazer. O que faz com que o problema do aeroporto da Ota seja fundamentalmente de natureza política. Esta decisão de fazer está fortemente pressionada por outro problema: legislativas daqui a dois anos. É preciso betão. Não que, daqui a dois anos, haja inauguração (esse não é o estilo deste governo) mas o que é realmente importante é prometer. E prometer várias vezes, anunciar várias vezes, propagandear várias vezes. Eles sabem mesmo onde querem chegar. O que faz com que esta seja uma decisão de má-fé. Quer dizer. Será a construção de um novo aeroporto uma obra fundamental para Portugal? Num país amnésico fazia todo o sentido, num país de provincianos como o nosso também. O que eu quero dizer é que tudo isto é mais do mesmo.

Há dias veio-me parar às mãos um texto de Miguel Bombarda (1851-1910), publicado no primeiro número da revista "A Medicina Contemporânea" em 1883, referindo-se às escolas médicas, em que dizia o seguinte: «Portugal é, na questão sugeita, um paíz pobre com apparencia de rico; rico na apparencia, porque se infatua com a ostentação de trez escolas de medicina, pobre na realidade, porque não pode dotar convenientemente qualquer d'ellas.» Nem mais. O problema é este: teremos nós, daqui a 15 anos, um aeroporto luxuoso e absolutamente fantástico, dos melhores ao nível europeu, mas rodeado por um país pobre de gente pobre, um país estragado, sujo, desigual, excluído, deprimido? Muito provavelmente. É que o dinheiro não chega para tudo e as prioridades são bastante claras: parecer que é.


(Ricardo S. Reis dos Santos)

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