O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VISTO DO LADO DE LÁ
Escrever-lhe sobre o que penso... Não sei se concorda, mas é uma construção feita aqui do norte, por um professor, com um filho, com um empréstimo (um apenas) que gosta do que faz e que acredita que o que faz é realmente importante.
Hoje discute-se qual o papel do estado nuns e outros jornais, por este ou aquele comentador. Está na moda pensar e repensar a função pública, a função do estado. São tempos de crise institucional. Ninguém sabe para que serve um estado, sobretudo quando serve mal. É geralmente aceite a ideia de que os serviços que o estado presta são maus e caros e portanto dispendiosos e ineficientes. As correntes mais em voga ditam um estado regulador e mínimo relegando para o sector privado todos os serviços que face a uma concorrência sempre à espreita se tornará eficiente e eficaz. São tempos em que o que é privado é tido como melhor que a coisa pública. Do estado diz-se que é pesado e torna-se por isso necessário agilizar, reduzir e emagrecer o "Monstro".
Visto de fora Sócrates é um homem empenhado em reformar e tornar o país melhor preparado para o futuro. Para quem trabalha para o estado é um pesadelo, um mostrengo. É que os funcionários públicos além da má fama têm o pior dos patrões. É um patrão sem cara, irresponsável que ao longo dos anos foi tomando medidas que hoje dizem terem sido erradas mesmo absurdas. Hoje quem está a pagar as imbecilidades com que muitos dos pavões que migraram para terras mais temperadas é o funcionário público.
Este patrão além de inconsequente faz as regras do jogo ao contrário dos outros. E Sócrates muda as regras do jogo a toda a hora e a meio do jogo. Altera cursos superiores retirando-lhes um estágio real e trocando-o por uma prática supervisionada sem quaisquer responsabilidades frustrando as expectativas de quem 4 anos antes se inscreveu no curso; altera regras da segurança social 5 anos depois (se não me engano) de ter afirmado que a reforma estava feita tornando as regras demasiados flexíveis e oferecendo um futuro incerto a quem dela dependerá; a carreira dos professores e funcionários públicos foram alteradas frustrando e violando o acordo estabelecido à data da entrada de cada funcionário para o estado; usa legislação aprovada pela direita e que chegou a criticar para agora deslocar e colocar no corredor dos despedimentos uns não sei quantos funcionários públicos; altera a lei das finanças locais a meio e bruscamente sem o respeito pelos compromissos assumidos pelos autarcas que foram eleitos numas condições e agora têm de governar noutras.
O estado não se comporta como pessoa de bem, de palavra. Um governo assim "reformista" está a calcinar o estado tal como o conhecemos. E isto não foi objecto do programa eleitoral do PS. As reformas são demasiados profundas e o que o PS pensava do papel do estado antes das eleições era bem diferente do que hoje realiza sob uma capa de um pragmatismo reformista. Governar de forma déspota é fácil mas não gera confiança. A confiança é necessária para gerar mudança e semear o futuro. A única ilusão que Sócrates sabiamente vende é a de que está a trabalhar.
Sócrates está enganado e posso afirma-lo com a mesma convicção com que Guterres disse adeus ao lamaçal e com a mesma obstinação com que Cavaco se deixou governar, no seu segundo mandato, pelo Monstro. Acredito que Sócrates pense que se livra do Monstro antes que ele lhe caia em cima. É isso que o leva a quebrar todos os vínculos que o estado assumiu perante os portugueses durante e ao longo de anos (na saúde, educação, justiça, segurança social, etc.). Mas está enganado, pois o estado somos todos nós, é o país que está a falhar com todos.
As orientações espirituais vêm de Bruxelas e o governo trabalhador lá vai no bom caminho ainda à dias recebeu boa nota e mais umas orientações para os próximos tempos: a flexigurança. É um termo giro e ajuda ao marketing. Nós por cá sempre tivemos um fraquinho por estrangeirismos e nunca tivemos nem um pingo de vergonha, nem um horizonte que o diga Gil Vicente e Eça.
Isto tudo para dizer que o principal papel do estado, para mim, é a capacidade de gerar confiança, segurança e estabilidade. Com Sócrates apenas vislumbro o último, o mais perigoso.
(Carlos Brás)
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Sabe-se que o nosso Estado-Providência é incipiente de algum modo porque nasceu já no fim dos "trinta gloriosos" quando se dá uma inversão das condições que levam a questionar a sua própria viabilidade nos moldes em que tinha sido pensado no pós-guerra. Reconheço a diversidade de qualidade e empenhamento dos "funcionários públicos" que, por isso, devem ter uma avaliação externa. Mas há outra coisa: a defesa incondicional dos "direitos adquiridos do funcionário público" reproduz uma sociedade pervertida em que é a própria administração pública que "faz as vezes" do "Estado-Providência". Para além de perverso, isto é profundamente injusto para aqueles que, por opção ou por falta dela, não são funcionários públicos. É que não ser funcionário público, por estranho que pareça, pode ser uma opção deliberada das pessoas que ambicionam construir de forma mais autónoma o seu próprio percurso profissional.