ABRUPTO

9.2.07


NUNCA É TARDE PARA APRENDER:
A CIVILIZAÇÃO QUE HOJE NÃO SERIA POLITICAMENTE CORRECTA

Civilisation Em 1965, o historiador de arte inglês Kenneth Clark realizou para a BBC uma série de filmes destinados a fornecer uma leitura da "civilização", a nossa, a ocidental, a europeia. A série foi um enorme sucesso quer na Europa, quer nos EUA, no final da década de sessenta, tendo passado em Portugal já há bastante tempo no segundo canal. Está hoje esquecida nos armazéns, embora muitos dos que a viram lhe permaneçam fiéis, de tal modo que a BBC a reeditou em DVD. Presumo que não seja fácil encontrá-lo por cá, mas pode ser encomendado, mas vale sempre a pena pedir à RTP que a passe sem ser no Canal Memória.

Eu sou um desses fiéis à série, com uma memória viva de muitos episódios e da imagem de Kenneth Clark, a quatro anos de ser Sir, a andar muito composto pelos sítios da "civilização", desde as ilhas remotas da Irlanda céltica, à Bizâncio transformada em Istambul. Sempre falando um inglês perfeito, sem medo de usar palavras que hoje não caberiam no saber das audiências, como um "modicum" em latim no meio de uma frase, passando de um tom de conversação solta para um poema anglo-saxónico, ou uma frase de Virgílio (ele não diz apenas a frase de Virgílio, ele diz como "aquela frase muito conhecida de Virgílio", como se fosse suposto que a conhecessemos...).

Revendo o episódio inicial, uma meditação sobre a civilização a partir da queda do império romano do Ocidente e dos anos "negros" da Idade Média, ou seja do momento em que a civilização se ia perdendo, Clark diz com a maior das naturalidades coisas hoje indíziveis na BBC. Como por exemplo, sobre a emergência do Islão, que retrata como uma religião simples, poderosa, cruel e bárbara, cuja derrota em Poitiers permitiu a sobrevivência da civilização, ou sobre a própria distinção entre civilização e barbarismo, a partir do cânone greco-latino, de modo muito pouco "multicultural".

Toda a "personal view" de Clark sobre a crise da civilização nos séculos V ao X, aparece-nos hoje como vitalmente importante e actual: "It is lack of confidence, more than anything else, that kills a civilisation. We can destroy ourselves by cynicism and disillusion, just as effectively as by bombs."

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A respeito da história das civilizações surgiu recentemente em Portugal uma obra que contesta a teoria comum acerca do período das invasões bárbaras e da queda do Império Romano. Esta obra afirma que a queda do Império Romano significou o colapso de uma civilização e a entrada numa "Era das Trevas". A ideia da transição suave entre a civilização romana e os povos bárbaros com o cristianismo como cimento é posta em causa com esta tese que afirma que em muitos aspectos (saneamento, arquitectura, educação, artes, literatura, etc) a Europa regrediu vários séculos nos seus indíces civilizacionais.

Edição Inglesa: The fall of Rome and the end of civilization / Bryan-Ward Perkins . - Oxford, 2005

(Jorge Lopes)

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Neste caso não posso ser frio, lógico e coloquial. Há algo aqui que me corta fundo e que doi o que nos faz reagir. Kenneth Clarck é um "ethnocentric pompous ass" e infelizmente não sei dizer isto em português. A série em causa deve mais à produção e ao que mostra, ou seja à excelencia televisiva da produção BBC do que ao conteudo do KC.

Há relativamente pouco tempo (3 meses) estive hospitalizado por um período longo e tive a oportunidade de terminar "Civilizations" do colombiano Felipe Fernández-Armesto. Apesar do Fernández-Armesto ser um galego complexado, envergonhado das conquistas civilizacionais europeias e dividido entre as suas origens e o seu local de nacionalidade, um problema que ocorre muito frequentemente nas comunidades emigrantes especialmente se de culturas diferentes mas igualmente importantes i.e.latina vs anglo-saxónica, este livro marca fundo e na realidade é o ADN da civilização europeia que o FF-A tanto tenta deitar abaixo. Com Soul Mountain, de Gao Xingjian, forma a minha maior e mais recente influencia humana e culturalque se resume nas raizes do Virgilio Ferreira no liceu e agora estes dois livros passando por De la Democracie en Amerique, de Alexis de Tocqueville.

Por favor não elogie o KC só porque ele é um snob, e showoff com uma cultura pretensiosa e vasia de faceta socio-politico-económica, hoje politicamente incorrecto sòmente entre as classes média-média e média-baixa, e muito admirado entre as classes média-alta e alta e completamente desconhecido e indiferente entre e para os operários.

(David Estêvão Gouvêa)

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© José Pacheco Pereira
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