ABRUPTO

4.1.07


PERGUNTAS ENTRE O ESPAÇO E O CIBERESPAÇO 8

Texto em movimento, V. 1

8 - [Mediações]

(Não arranjei patrono para esta pergunta, mas deve haver. Uma hipótese: por que é que quem fica no meio é atropelado? A expressão mais correcta é "ensanduichado", mas é demasiado plebeia para meu gosto e não me parece bem colocar o Conde de Sandwich junto com Kafka e Nietzsche. Fica para já assim: "mediações" - as que o ciberespaço está a ajudar a desaparecer.)

As mediações estão em crise: na democracia (parlamento, representação), no saber (peer review), na comunicação social (edição), na escola (a própria escola enquanto factor de socialização), na vida, enfim. Se todo o tempo é "real" não há mediações entre o ser e o agir, não há espaço para pensar, não há lugar para o pensar. O pensar é sempre uma distância, uma lentidão do tempo. As instituições do "meio": partidos, sindicatos, parlamentos, associações, escolas, famílias, igrejas, academias, perdem aceleradamente poder.
(Nesta sala a instituição do "meio" é a mesa e o moderador do debate e não parecem estar lá muito bem. Eu também não estou lá muito bem, porque precisava de mais tempo e não tenho. Nenhum de nós tem mão no tempo.)
The image “http://msit.gsu.edu/socialstudies/constitution/images/turn.gif” cannot be displayed, because it contains errors.Se deixou de haver distância, a não ser a que vai do meu braço a uma tecla ou um botão, e o mundo é uma "aldeia global", por que razão eu preciso de delegar o meu poder a quem me represente? Nada é distante, tudo é próximo, à distância de um clique, de um botão, de uma palavra digitalmente reconhecida. O resultado são as utopias da "democracia directa" na Rede, que regressam em força. Estão por todo o lado na Rede, dos artigos académicos, aos comentários mais simples, no sentido bíblico de "simples". A razão do seu retorno, eterno retorno aliás porque a pulsão para a igualdade é sempre muito grande nas sociedades de massas, é óbvia: existem hoje as tecnologias para resolver o dilema da dimensão, que preocupava os Constituintes americanos que, antes da Rede, ajudaram a construir um país em Rede.
It is natural to a republic to have only a small territory, otherwise it cannot long subsist. In a large republic there are men of large fortunes, and consequently of less moderation; there are trusts too great to be placed in any single subject; he has interest of his own; he soon begins to think that he may be happy, great and glorious, by oppressing his fellow citizens; and that he may raise himself to grandeur on the ruins of his country. In a large republic, the public good is sacrificed to a thousand views; it is subordinate to exceptions, and depends on accidents. In a small one, the interest of the public is easier perceived, better understood, and more within the reach of every citizen; abuses are of less extent, and of course are less protected. (Montesquieu citado por "Brutus", Robert Yates contra o estado federal.)

Os federalistas respondiam também falando do "espaço", do "tamanho". Sim, uma democracia não podia ser "grande", mas uma República podia, desde que baseada no príncípio da representação.

As the natural limit of a democracy is that distance from the central point which will just permit the most remote citizens to assemble as often as their public functions demand, and will include no greater number than can join in those functions; so the natural limit of a republic is that distance from the centre which will barely allow the representatives to meet as often as may be necessary for the administration of public affairs. Can it be said that the limits of the United States exceed this distance?

Perguntava Madison ("Publius") e respondia que sim, medindo fisicamente o território da União.

Size matters... até agora. O "tamanho" era um óbice, complicava tudo, diferenciava, hierarquizava, tornava uns poderosos e outros fracos. Na distância perdia poder o que estava mais longe, ganhava o que estava mais perto. Tinha-se perdido a unidade ateniense, o "interesse público" mais "facilmente percebido", tinha que se delegar, representar, para manter a democracia num espaço grande. Agora deixou de ser preciso. A "aldeia global" encolhe tudo, ou não fosse uma aldeia. Problemas velhos, dizem os utopistas da Rede, que voltam ao pseudo-ideal do agora grego presente no "electronic town hall" ou nas propostas de televoto.
Veja-se por exemplo Scott London, "Teledemocracy vs. Deliberative Democracy: A Comparative Look at Two Models of Public Talk." Journal of Interpersonal Computing and Technology, Vol 3, No 2, Abril 1995.

Há boas razões para os populistas, os demagogos e os comunistas gostarem destas propostas. Comecemos por Ross Perot.

(Continua)

Etiquetas: , , , , ,


(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]