ABRUPTO

12.1.07


COISAS DA SÁBADO: VIAGENS COM OU SEM MEMÓRIA

As armadas de 1503: Afonso de Albuquerque, Francisco de Albuquerque e António Saldanha.

Entre os elogios que ouvi à viagem que o Presidente da República vai fazer à India conta-se o de que esta vez não haverá o lastro do Vasco da Gama a pesar na agilidade negocial. É conforme com os tempos do esquecimento, este elogio, mas duvido que seja coisa para elogiar. Bem sei que os nossos tecnocráticos governantes, como Sócrates, podem ir a França em pleno aniversário das batalhas da I Guerra em que morreram portugueses e não visitar, ou fazer qualquer coisa que lembrasse, os portugueses que lá estão sepultados. Nem ingleses, nem americanos, nem canadianos, nem franceses, nem belgas, nem alemães, lhes passaria sequer pela cabeça pôr os pés num país onde estão os seus mortos em combate sem os lembrarem.

Pode-se ir à Índia sem Vasco da Gama? Talvez possa, mas para um português, não se deve. Não digo tanto “sem Vasco da Gama”, mas “sem Goa”, sem a memória da nossa identidade que lá ficou um pouco enterrada e está a cair aos bocados. Mas mesmo que já estivesse toda no chão, enterrada por desprezos diversos, o lugar está lá, as almas estão lá num canto qualquer a assombrar-nos. A história é assim: não se pode ir à Índia com inocência absoluta, nem aliás os indianos nos responderão com inocência. A história pesa.

Não é saudosismo, é respeito por nós próprios que fomos feitos por aqueles homens que por lá andaram à espadeirada, à pimenta, na pirataria, brutos, cruéis, gananciosos, vaidosos, crentes, santos, líricos, o que se queira, mas nossos. Vem nos Lusíadas, que tanto patriota cá da casa gosta de bater no peito, para esquecer quando vê um call center deslocalizado.

Prejudica os negócios? Duvido. Atrapalha, talvez, mas não tanto como se pensa, saiba a gente tratar com o mesmo respeito que exige para nós, o outro lado. Ou seja saber alguma coisa sobre a milenária civilização hindu que combatemos, e sobre o país que nacionalistas indianos educados em Inglaterra fizeram entre lealdades contraditórias. E a verdade é que se a Índia só existe para nós desde que faz software, serviços baratos e indústria espacial, e exporta matemáticos para o Plano Tecnológico, não sabemos verdadeiramente nada.

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© José Pacheco Pereira
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